Depois de se empurrarem bastante, até ficarem com os rostos vermelhos e suados, começaram a aliviar a pressão, com o máximo de cautela. Então, Tom disse:

– Você é um covarde e um moleirão. Vou contar ao meu irmão mais velho o que você me fez, e ele pode te bater com o dedo minguinho, e eu vou dizer para ele te dar uma surra!

– E quem se importa com seu irmão mais velho? Eu tenho um irmão que é maior do que ele; e tem mais, ele é capaz de jogar seu irmão por cima daquela cerca, também! (É claro que ambos os irmãos eram imaginários.)

– Isso é mentira!

– Só porque você quer!

Tom riscou uma linha na poeira do chão com o dedo do pé e disse:

– Desafio você a cruzar essa linha. Se cruzar, vou te bater tanto que você não vai conseguir parar em pé. Quem não aceita um desafio é um mariquinha!

Imediatamente, o outro menino cruzou a linha e disse:

– Você disse que me batia, agora quero ver se consegue.

– Não fique me empurrando, hein? Não sabe com quem está se metendo!

– Bem, você disse que ia me bater! Por que não bate agora?

– Só vou te bater se você me pagar dois centavos!

O outro menino meteu a mão no bolso e retirou duas moedas de um centavo. Estendeu a mão para Tom com o maior desprezo estampado no rosto.

Tom deu um tapa e derrubou as moedinhas no chão.

No momento seguinte, os dois garotos estavam rolando e se debatendo na terra, agarrados firmemente como se fossem dois gatos. Durante mais ou menos um minuto, eles se puxaram e se empurraram, tentaram arrancar os cabelos e rasgar as roupas um do outro, deram-se socos e se esbofetearam, arranharam rostos e narizes e ficaram cobertos de sujeira e de glória. Dali a pouco, a confusão tomou um novo aspecto: através da poeira da batalha, viu-se o vulto de Tom, sentado sobre o peito de seu oponente, dando-lhe socos.

– Peça água! – gritou ele.

O outro menino somente lutava para se desvencilhar. Estava chorando, mais de raiva do que por qualquer outra coisa.

– Peça água! – e os socos continuavam.

Finalmente, o estranho soltou uma palavra abafada, que soou mais ou menos como “gágua”, e Tom o largou, dizendo:

– Agora te ensinei uma lição. Melhor ter cuidado com quem vai se meter da próxima vez!

O menino forasteiro foi embora, esfregando a poeira das roupas, soluçando, fungando e ocasionalmente olhando para trás e sacudindo a cabeça, ameaçando à meia-voz as coisas que faria com Tom “da próxima vez que nos encontrarmos!” Tom respondeu com troças e zombarias e seguiu para o outro lado na melhor das disposições; porém, no momento em que se virava, o outro menino agarrou uma pedra, jogou-a e o atingiu bem no meio das costas; depois se virou bem depressa e correu como um antílope. Tom perseguiu o traidor até que este chegou em casa, e assim descobriu para onde ele havia se mudado. Estabeleceu uma “trincheira de combate” no portão do jardim durante algum tempo, desafiando o adversário a sair, mas o inimigo só ficou fazendo caretas através da janela e se recusou a morder a isca. Finalmente, apareceu a mãe do seu rival e gritou que Tom era uma criança malvada e vulgar e ordenou-lhe que fosse embora. Então, ele decidiu ir, mas não sem dizer que “ia ficar esperando” para “pegar” o outro.

Chegou em casa bastante tarde naquela noite. Pulou a janela com o maior cuidado e caiu nos braços de sua tia, que o aguardava sentada silenciosamente no escuro. No momento em que esta viu o estado em que se achavam suas roupas, sua resolução anterior de transformar-lhe o feriado de sábado em um período de prisão e trabalhos forçados tornou-se mais firme que uma corrente e mais forte do que diamantes.

Capítulo 2

Chegou a manhã de sábado e era um dia típico de verão, cheio de luz e frescor, a vida rebrotando e fervilhando por todos os lados. Os corações cantavam em todos os peitos, e, nos mais jovens, a melodia transbordava em música através dos lábios. Havia entusiasmo em todos os rostos e os passos eram ágeis, como se estivessem sendo impulsionados por pequenas molas presas às solas dos pés. As paineiras estavam em botão e a fragrância das flores enchia o ar.

A Colina de Cardiff, que se erguia nos arredores da aldeia, estava recoberta de vegetação verde, e ficava longe o bastante para parecer uma Terra de Sonho, cheia de delícias, repousante e convidativa.

Tom apareceu na calçada com um balde de tinta branca feita de água e cal e um pincel de cabo longo. Examinou a cerca do jardim e sentiu que a alegria desaparecera da natureza, enquanto uma profunda melancolia descia sobre seu espírito. Trinta metros de uma cerca de tábuas largas com quase três metros de altura! O futuro lhe parecia totalmente incerto e sem significado e a existência humana era uma carga sobre seus ombros. Suspirando, ele mergulhou o pincel no balde e passou as cerdas sobre a tábua superior. Repetiu a operação. Fez tudo de novo. Comparou a minúscula faixa caiada de branco com a vasta extensão de cerca ainda por pintar e sentou-se em um toco de árvore, totalmente desencorajado. Nesse meio tempo, Jim saiu aos pulinhos pelo portão principal, carregando um balde de estanho, enquanto cantava a melodia de Buffalo Gals. Trazer água do poço da aldeia tinha sido sempre um trabalho extremamente cansativo aos olhos de Tom, porém agora não teve esta impressão. Ele se recordou que sempre havia gente interessante ao redor da bomba do poço. Meninos e meninas brancos, negros e mulatos estavam sempre por lá, esperando a vez de tirar água, descansando, trocando brinquedos, discutindo, brigando e fazendo todo o tipo de travessuras. E lembrou também que, embora o poço ficasse a menos de cento e cinquenta metros de distância, Jim nunca levava menos de uma hora para trazer um balde de água.