O herói recém-coroado caiu sem disparar um tiro. Uma certa Amy Lawrence desapareceu de seu coração, sem deixar para trás sequer uma lembrança. Até então, ele pensara que a amava do fundo do coração. Ele considerava aquela paixão como uma adoração total e uma devoção eterna; e vejam só! – não passava de um leve interesse passageiro. Há meses que ele vinha tentando namorá-la, fazia somente uma semana que ela tinha confessado que também queria, ele tinha se tornado o menino mais feliz e mais orgulhoso do mundo por apenas sete curtos dias, e agora, em um piscar de olhos, ela tinha saído de seu coração, assim como um estranho vai embora da sua casa quando a visita já acabou.

Ele adorou este novo anjo com um olhar disfarçado, fazendo de conta que estava olhando para outro lado, até que percebeu que ela o tinha avistado; então fingiu não saber que ela se achava presente e começou a “se mostrar” de todas as maneiras absurdas que os meninos fazem, a fim de conquistar sua admiração. Continuou a fazer um monte de bobagens e palhaçadas por algum tempo, mas então, bem quando se encontrava no meio de uma exibição atlética um tanto perigosa, lançou um olhar para o jardim e notou que a menina tinha virado as costas e estava se encaminhando tranquilamente para a casa. Tom avançou até a cerca e debruçou-se sobre ela, o coração cheio de luto, esperando que ela se demorasse um pouco mais. A garota parou por um momento nos degraus e então moveu-se em direção à porta. Tom emitiu um profundo suspiro quando ela colocou o pé no limiar, porém logo seu rosto se iluminou, porque um momento antes de desaparecer, ela lançou um amor-perfeito por cima da cerca. O menino correu e parou a um palmo e meio da flor; então colocou a mão em concha sobre os olhos e começou a olhar rua abaixo, como se tivesse visto uma coisa de grande interesse naquela direção. Em seguida, apanhou uma palha do chão e experimentou equilibrá-la na ponta do nariz, com a cabeça inclinada bem para trás; e, enquanto se movia para um lado e para o outro em seu esforço para não deixá-la cair, ele foi se aproximando cada vez mais do amor-perfeito. Finalmente, seu pé descalço estava sobre ele, os dedos ágeis se fecharam sobre a prenda e ele seguiu pulando em um pé só com o tesouro, desaparecendo na esquina. Mas foi só por um minuto – apenas o tempo necessário para colocar a flor em um bolso interno do casaco e abotoá-lo firmemente, sentindo o amor-perfeito bem junto de seu coração – ou, mais provavelmente, junto de seu estômago, porque ele não tinha um conhecimento lá muito bom de anatomia e, na verdade, não dava a menor bola para isso.

Depois de guardar a flor com todo o cuidado, ele retornou e permaneceu do lado de fora da cerca até o anoitecer, “se mostrando”, como antes; mas a menina nem sequer pôs o rostinho para fora da porta, embora Tom se consolasse um pouco com a ideia de que ela poderia estar espiando por trás de uma das janelas, bastante satisfeita com todas as suas atenções. Finalmente, ele foi para casa, relutante, com a pobre cabeça transbordando de visões românticas.

Durante todo o jantar ele se mostrou tão alegre, que a tia se pôs a imaginar “o que tinha entrado na criança”. Ele levou uma forte repreensão por ter jogado os pedaços de terra em Sid, mas não pareceu ficar nem um pouquinho arrependido. Tentou roubar torrões de açúcar bem debaixo do nariz de sua tia e levou uma pancada nos dedos. Ele reclamou:

– Ai, titia, você não bate nos dedos do Sid quando ele pega açúcar!…

– Acontece que Sid não fica me incomodando o tempo todo, como você faz. Se eu não te pusesse um freio, você ia ficar comendo o dia inteiro e não ia haver açúcar que chegasse.

Em seguida, ela entrou na cozinha, e Sidney, feliz em sua imunidade, estendeu a mão para o açucareiro, mais para implicar com Tom do que por estar mesmo com vontade – com um ar de superioridade que era realmente intolerável. Mas os dedos de Sid escorregaram e o açucareiro caiu e se quebrou. Tom entrou em êxtase – era tal a volúpia de prazer que até mesmo controlou a língua e ficou em silêncio. Disse para si próprio que não ia proferir uma só palavra, mesmo quando sua tia voltasse, mas ficaria sentado perfeitamente à vontade até que ela perguntasse quem tinha feito a travessura. Só então ele contaria, e não haveria vingança mais doce no mundo do que ver aquele modelo de criança bem comportada “levar a dele”, mesmo sendo o favorito da tia. Estava com o coração tão cheio de alegria, que mal se conteve quando a velha senhora retornou e ficou parada, contemplando o desastre, enquanto soltava relâmpagos de fúria através de seus óculos. Ele falou consigo mesmo: “Chegou a hora!” E, no momento seguinte, eis que estava caído no assoalho! A poderosa palma da mão de sua tia estava erguida para bater uma segunda vez, quando Tom protestou:

– Espere aí, titia, por que a senhora está batendo em mim? Foi Sid quem quebrou o açucareiro!

Tia Polly parou, perplexa, e Tom esperou que ela se desculpasse com palavras de arrependimento e consolação. Mas quando ela conseguiu controlar a língua de novo, a única coisa que disse foi:

– Ah, é? Bem, você não perdeu nada por apanhar, eu garanto! Pode não ter quebrado o açucareiro, mas aposto que fez alguma outra travessura enquanto eu não estava olhando, garanto que sim!

E nesse momento, sua consciência a repreendeu, e ela ficou ansiosa por dizer alguma coisa gentil e amorosa; mas pensou que isso seria como uma confissão de que estava errada, e a disciplina proibia que um adulto reconhecesse um erro cometido contra uma criança. Assim, ela ficou em silêncio e continuou realizando suas tarefas, mas com o coração pesado. Tom ficou amuado em seu canto, multiplicando intimamente suas queixas e reclamações. Ele sabia que a tia, no fundo de seu coração, estava na palma de sua mão, como se estivesse de joelhos à sua frente, e sentia-se sombriamente gratificado com esta percepção. Ele não ia dar o menor sinal de que pretendia fazer as pazes e tampouco iria reconhecer a menor abertura da parte dela. Percebia muito bem que, de vez em quando, ela lhe lançava olhares ansiosos através de uma camada de lágrimas, mas recusou-se a reconhecê-los. Ele se imaginou doente, em seu leito de morte, com o rosto da tia curvado sobre ele, suplicando por uma única palavra de perdão; mas nesse momento ele voltaria o rosto para a parede e morreria sem proferir essa palavra.