Leva-se a multidão aos ateliês da costureira e do cenógrafo, ao camarote da atriz? Mostra-se ao público interessado hoje, indiferente amanhã, o mecanismo dos truques? Explicam-se a ele os retoques e as variantes improvisadas nos ensaios, e até que dose o instinto e a sinceridade estão misturados às astúcias e ao charlatanismo indispensável no amálgama da obra? Revelam-se a ele todos os retalhos, as maquiagens, as polias, as correntes, os arrependimentos, as provas rabiscadas, em suma, todos os horrores que compõem o santuário da arte?

De resto, hoje não estou com disposição para isso. Não tenho desejo nem de demonstrar, nem de espantar, nem de agradar, nem de persuadir. Tenho meu temperamento, meus ataques. Aspiro a um repouso absoluto e a uma noite contínua. Cantor das volúpias loucas do vinho e do ópio, só tenho sede de uma bebida desconhecida na terra, e que mesmo a farmacêutica celeste não poderia oferecer-me — de uma bebida que não conteria nem a vida/vitalidade nem a morte, nem a excitação, nem o nada. Nada saber, nada ensinar, nada querer, nada sentir, dormir e ainda dormir, esse é hoje meu único desejo. Desejo infame e desagradável, mas sincero.

No entanto, como um gosto superior nos ensina a não temer contradizer-nos um pouco, reuni, no fim deste livro abominável, os testemunhos de simpatia de alguns dos homens que mais prezo, para que um leitor imparcial possa deles inferir que não sou absolutamente digno de excomunhão e que, tendo sabido fazer-me amar por alguns, meu coração, independentemente do que disse não sei mais qual porcaria impressa, não tem talvez “a terrível feiura de meu rosto”.

Enfim, por uma generosidade pouco comum, de que os senhores críticos…

Como a ignorância aumenta…

Eu mesmo denuncio as imitações…

[première version de la dédicace]
a mon très cher et très vénéré maître
et ami
théophile gautier

Bien que je te prie de servir de parrain aux Fleurs du mal, ne crois pas que je sois assez perdu, assez indigne du nom de poète pour m’imaginer que ces fleurs maladives méritent ton noble patronage. Je sais que dans les régions éthérées de la véritable Poésie, le Mal n’est pas, non plus que le Bien, et que ce misérable dictionnaire de mélancolie et de crime peut légitimer les réactions de la morale, comme le blasphémateur confirme la Religion. Mais j’ai voulu, autant qu’il était en moi, en espérant mieux peut-être rendre un hommage profond à l’auteur d’Albertus, de La Comédie de la Mort et d’España, au poète impeccable, au magicien ès langue française, dont je me déclare, avec autant d’orgueil que d’humilité, le plus dévoué, le plus respectueux et le plus jaloux des disciples.

CHARLES BAUDELAIRE

[primeira versão da dedicatória]
a meu caríssimo e muito venerado mestre
e amigo
théophile gautier

Embora eu lhe peça que sirva de padrinho às Flores do mal, não creia que eu esteja suficientemente perdido, que eu seja suficientemente indigno do nome de poeta, para imaginar que essas flores doentias mereçam teu nobre patrocínio. Sei que nas regiões etéreas da verdadeira Poesia o Mal não existe, assim como o Bem, e que esse lamentável dicionário de melancolia e de crime pode legitimar as reações da moral, como o blasfemador confirma a Religião. Eu quis, porém, tanto quanto me era possível, esperando talvez melhor prestar uma homenagem profunda ao autor de Albertus, de La Comédie de la mort e de España, ao poeta impecável, ao mago da língua francesa, de que me declaro, com tanto orgulho quanto humildade, o mais devotado, o mais respeitoso e o mais invejoso dos discípulos.

CHARLES BAUDELAIRE

bribes

ORGUEIL

Anges habillés d’or, de pourpre et d’hyacinthe.

Le génie et l’amour sont des Devoirs faciles.

*

J’ai pétri de la boue et j’en ai fait de l’or.

*

Il portait dans ses yeux la force de son cœur.
Dans Paris son désert vivant sans feu ni lieu,
Aussi fort qu’une bête, aussi libre qu’un Dieu.

LE GOINFRE

En ruminant, je ris des passants faméliques.

Je crèverais comme un obus
Si je n’absorbais comme un chancre.

Son regard n’était pas nonchalant, ni timide,
Mais exhalait plutôt quelque chose d’avide,
Et, comme sa narine, exprimait les émois
Des artistes devant les œuvres de leurs doigts.
Ta jeunesse sera plus féconde en orages
Que cette canicule aux yeux pleins de lueurs
Qui sur nos fronts pâlis tord ses bras en sueurs,
Et soufflant dans la nuit ses haleines fiévreuses,
Rend de leurs frêles Corps les filles amoureuses,
Et les fait au miroir, stérile volupté,
Contempler les fruits mûrs de leur virginité.

Mais je vois à cet œil tout chargé de Tempêtes
Que ton Cœur n’est pas fait pour les paisibles fêtes,
Et que cette beauté, sombre comme le fer,
Est de celles que forge et que polit l’Enfer
Pour accomplir un jour d’effroyables luxures
Et contrister le Cœur des humbles créatures

Affaissant sous son poids un énorme oreiller,
Un beau corps était là, doux à voir sommeiller,
Et son sommeil orné d’un sourire superbe
. . . . . . . . . . . . . . . .