DIABO: Ora, pois, entrai. Veremos

que diz i nesse papel...

CORREGEDOR: E onde vai o batel?

DIABO: No Inferno vos poeremos.

CORREGEDOR: Como? À terra dos demos

há-de ir um corregedor?

DIABO: Santo descorregedor,

embarcai, e remaremos!

Ora, entrai, pois que viestes!

CORREGEDOR: Non est de regulae juris, não!

DIABO: Ita, Ita! Dai cá a mão!

Remaremos um remo destes.

Fazei conta que nacestes

pera nosso companheiro.

- Que fazes tu, barzoneiro?

Faze-lhe essa prancha prestes!

CORREGEDOR: Oh! Renego da viagem

e de quem me há-de levar!

Há 'qui meirinho do mar?

DIABO: Não há tal costumagem.

CORREGEDOR: Nom entendo esta barcagem,

nem hoc nom potest esse.

DIABO: Se ora vos parecesse

que nom sei mais que linguagem...

Entrai, entrai, Corregedor!

CORREGEDOR: Hou! Videtis qui petatis -

Super jure magestatis

tem vosso mando vigor?

DIABO: Quando éreis ouvidor

nonne accepistis rapina?

Pois ireis pela bolina

onde nossa mercê for...

Oh! que isca esse papel

pera um fogo que eu sei!

CORREGEDOR: Domine, memento mei!

DIABO: Non es tempus, bacharel!

Imbarquemini in batel

quia Judicastis malitia.

CORREGEDOR: Sempre ego justitia

fecit, e bem por nivel.

DIABO: E as peitas dos judeus

que a vossa mulher levava?

CORREGEDOR: Isso eu não o tomava

eram lá percalços seus.

Nom som pecatus meus,

peccavit uxore mea.

DIABO: Et vobis quoque cum ea,

não temuistis Deus.

A largo modo adquiristis

sanguinis laboratorum

ignorantis peccatorum.

Ut quid eos non audistis?

CORREGEDOR: Vós, arrais, nonne legistis

que o dar quebra os pinedos?

Os direitos estão quedos,

sed aliquid tradidistis...

DIABO: Ora entrai, nos negros fados!

Ireis ao lago dos cães

e vereis os escrivães

como estão tão prosperados.

CORREGEDOR: E na terra dos danados

estão os Evangelistas?

DIABO: Os mestres das burlas vistas

lá estão bem fraguados.

 

Estando o Corregedor nesta prática com o Arrais infernal chegou um Procurador, carregado de livros, e diz o Corregedor ao Procurador:

 

CORREGEDOR: Ó senhor Procurador!

PROCURADOR: Bejo-vo-las mãos, Juiz!

Que diz esse arrais? Que diz?

DIABO: Que serês bom remador.

Entrai, bacharel doutor,

e ireis dando na bomba.

PROCURADOR: E este barqueiro zomba...

Jogatais de zombador?

Essa gente que aí está

pera onde a levais?

DIABO: Pera as penas infernais.

PROCURADOR: Dix! Nom vou eu pera lá!

Outro navio está cá,

muito milhor assombrado.

DIABO: Ora estás bem aviado!

Entra, muitieramá!

CORREGEDOR: Confessaste-vos, doutor?

PROCURADOR: Bacharel som. Dou-me à Demo!

Não cuidei que era extremo,

nem de morte minha dor.

E vós, senhor Corregedor?

CORREGEDOR: Eu mui bem me confessei,

mas tudo quanto roubei

encobri ao confessor...

Porque, se o nom tornais,

não vos querem absolver,

e é mui mau de volver

depois que o apanhais.

DIABO: Pois porque nom embarcais?

PROCURADOR: Quia speramus in Deo.

DIABO: Imbarquemini in barco meo...

Pera que esperatis mais?

 

Vão-se ambos ao batel da Glória, e, chegando, diz o Corregedor ao Anjo:

 

CORREGEDOR: Ó arrais dos gloriosos,

passai-nos neste batel!

ANJO: Oh! pragas pera papel,

pera as almas odiosos!

Como vindes preciosos,

sendo filhos da ciência!

CORREGEDOR: Oh! habeatis clemência

e passai-nos como vossos!

PARVO: Hou, homens dos breviairos,

rapinastis coelhorum

et pernis perdigotorum

e mijais nos campanairos!

CORREGEDOR: Oh! não nos sejais contrairos,

pois nom temos outra ponte!

PARVO: Belequinis ubi sunt?

Ego latinus macairos.

ANJO: A justiça divinal

vos manda vir carregados

porque vades embarcados

nesse batel infernal.