O principal era que ele estava sempre ali, o primeiro a chegar de manhã, uma presença contínua durante o dia e o último a ir embora à noite. Eu tinha uma confiança especial na sua honestidade. Sentia que meus documentos mais preciosos estavam absolutamente seguros nas suas mãos. Às vezes, contra a minha vontade, não conseguia evitar súbitos acessos de raiva em relação a ele. Era muito difícil relevar o tempo todo os estranhos caprichos, privilégios e isenções sem precedentes que constituíam o acordo tácito da parte de Bartleby para que ficasse no meu escritório. De vez em quando, na pressa de resolver assuntos prementes, eu chamava Bartleby sem pensar, com uma voz rápida e breve, para pedir-lhe, por exemplo, que pusesse o dedo numa fita vermelha com a qual estava amarrando alguns documentos. É claro que a resposta que vinha de trás do biombo era a de sempre: “Acho melhor não”; como podia uma criatura humana, com as fraquezas comuns da nossa natureza, se abster de protestar contra tal perversidade, tal irracionalidade? No entanto, a cada recusa dessas que eu recebia, apenas diminuíam as chances de eu repetir inadvertidamente o pedido.

Cumpre dizer aqui que, segundo o costume dos advogados com escritórios em edifícios muito frequentados, havia várias chaves para a minha porta. Uma ficava com a senhora que morava no sótão, que fazia a limpeza semanalmente e varria e tirava o pó diariamente do meu apartamento. Outra ficava com Turkey, por uma questão de conveniência. A terceira, eu às vezes levava no meu bolso. A quarta, não sei com quem ficava.

Ora, num domingo de manhã, fui à igreja de Trinity, para escutar um pregador famoso, e, encontrando-me na rua um pouco antes da hora, pensei em ir até meu escritório. Por sorte, tinha a minha chave comigo; mas, ao colocá-la na fechadura, encontrei resistência do outro lado. Muito surpreso, chamei em voz alta, quando, para a minha consternação, uma chave girou do lado de dentro; e pela porta entreaberta deparei-me com o rosto esquálido de Bartleby, que apareceu em mangas de camisa, mas com um roupão estranhamente esfarrapado, dizendo baixinho que lamentava, mas estava muito ocupado naquele momento, e… achava melhor não me deixar entrar por ora. Acrescentou, com uma ou duas palavras, que eu fosse dar umas voltas pelo quarteirão; era o tempo de ele terminar o que estava fazendo.

Ora, a presença absolutamente inesperada de Bartleby, num domingo de manhã, no meu escritório, com a sua cadavérica e elegante nonchalance, mas ao mesmo tempo firme e segura, teve um efeito tão estranho sobre mim que de pronto me retirei da minha própria porta, fazendo o que ele queria. Mas não sem uma pontada de revolta impotente diante da desfaçatez desse inconcebível escrivão. A verdade é que sua extraordinária mansidão não apenas me desarmou, como também me acovardou. Pois considero um tipo de covardia quando alguém permite tranquilamente que seu funcionário assalariado lhe dê ordens para se retirar de seu próprio escritório. Além disso, estava inquieto por saber o que Bartleby estaria fazendo no meu escritório, em mangas de camisa, com uma aparência muito desarrumada, num domingo de manhã. Haveria algo errado? Não, fora de questão. Não se pode pensar nem por um minuto que Bartleby fosse uma pessoa imoral. Mas o que estaria fazendo ali? Copiando? Também não, por mais excêntrico que fosse, Bartleby era uma pessoa eminentemente digna. Ele seria o último homem a sentar à mesa num estado próximo da nudez. Além do mais, era domingo, e havia algo em Bartleby que eliminava a hipótese de que pudesse violar a solenidade do dia com uma ocupação secular.

Contudo, não me acalmei; tomado por uma curiosidade incontrolável, voltei por fim à porta do escritório. Sem encontrar nenhum obstáculo desta vez, enfiei a minha chave, abri e entrei. Não vi Bartleby. Olhei à minha volta ansiosamente, espiei atrás do biombo, mas estava claro que ele se fora. Examinando o lugar com mais atenção, comecei a desconfiar que Bartleby talvez tivesse se alimentado, se vestido e dormido por algum tempo no meu escritório, mas sem um prato, um espelho ou uma cama. Num canto, a almofada do velho e frágil sofá dava a impressão de que alguém havia se deitado ali. Embaixo da sua mesa encontrei um cobertor enrolado; na lareira vazia estava uma lata de graxa e uma escova; na cadeira, uma bacia de metal, com sabonete e uma toalha velha; num jornal, encontrei restos de pão de mel e um pedaço de queijo. Pois, pensei, é evidente que Bartleby tem feito desse lugar a sua moradia, ocupando sozinho um cômodo de solteiro.