De pronto fui tomado por um pensamento: Que solidão e desamparo terríveis estão sendo revelados aqui! A sua pobreza é grande, mas a sua solidão… que horror! Pense bem. Aos domingos, Wall Street é tão deserta quanto Petra; e todas as noites de todos os dias são uma desolação. Também este edifício, que durante os dias da semana fervilha com vida e trabalho, ao cair da noite ecoa a absoluta inatividade, e aos domingos fica abandonado. Nesse lugar Bartleby fizera a sua residência; o único espectador da solidão que já vira povoada: uma espécie de Mário,5 inocente e transfigurado, meditando nas ruínas de Cartago!

Pela primeira vez na vida fui invadido por um sentimento opressivo e angustiante de melancolia. Antes havia sentido apenas tristeza, mas nada tão desagradável. Uma obrigação moral com a humanidade levava-me à depressão. Uma melancolia fraternal! Pois tanto eu quanto Bartleby éramos filhos de Adão. Lembrei-me das sedas brilhantes e dos rostos radiantes que vira durante o dia, bem vestidos, deslizando como cisnes pelo Mississippi que era a Broadway. Comparei-os com o copista lívido e pensei comigo mesmo: Ah! A felicidade procura a luz, por isso acreditamos que o mundo é alegre, mas a desgraça se esconde longe, por isso acreditamos que o sofrimento não existe. Essas fantasias tristes – sem dúvida, quimeras de uma mente doente e insensata – provocaram em mim pensamentos mais específicos, como as excentricidades de Bartleby. Fui dominado por pressentimentos de descobertas estranhas. O vulto lívido do escrivão apareceu diante de mim, estendido na sua mortalha, em meio a pessoas estranhas e indiferentes.

Senti-me de súbito atraído pela escrivaninha trancada de Bartleby, e a chave estava à vista, enfiada na fechadura.

Não quero fazer mal algum e nem tampouco satisfazer uma curiosidade impiedosa, pensei; além disso, a escrivaninha é minha, e o seu conteúdo também, por isso posso me atrever a fazer uma revista. Tudo estava arrumado metodicamente, os papéis em ordem. Os escaninhos eram fundos e, ao tirar as pastas de documentos, procurei nos esconderijos. Nesse momento encontrei algo, que puxei. Era um velho lenço grande, com figuras, amarrado e pesado. Ao abri-lo, vi que eram economias.

Lembrei-me então de todos os mistérios silenciosos que tinha observado naquele homem. Recordei-me que só falava quando tinha de responder a uma pergunta; que embora às vezes tivesse bastante tempo livre, eu nunca o vira lendo – não, nem mesmo um jornal; que ficava olhando para fora por muito tempo, através da janela branca atrás do biombo, para a parede cega de tijolos; eu tinha certeza de que nunca ia a um refeitório ou restaurante; o seu rosto lívido mostrava com clareza que nunca tomava uma cerveja como fazia Turkey, nem chá e nem mesmo café, como os outros homens; que nunca ia a lugar algum, que eu soubesse; que nunca saía para dar uma volta, a não ser naquele momento; que tinha se recusado a dizer quem era ou de onde viera, ou se tinha parentes; que, embora fosse tão magro e tão pálido, nunca tinha se queixado de doenças. Acima de tudo, lembrei-me de uns certos ares inconscientes de… como direi?… de uma certa altivez, ou melhor, de uma reserva austera, que tinha me impressionado positivamente a ponto de me submeter às suas excentricidades quando temia lhe pedir algo banal, apesar de eu saber, por causa da sua imobilidade contínua, que atrás do biombo ele estava imerso num dos seus devaneios face à parede cega.

Refletindo sobre essas coisas, somado ao fato recém-descoberto de que fizera do meu escritório a sua moradia, e não me esquecendo da sua melancolia mórbida… refletindo sobre tudo isso, um sentimento de prudência tomou conta de mim. As minhas primeiras emoções tinham sido a melancolia mais pura e a compaixão mais sincera, mas na mesma proporção em que o desamparo de Bartleby crescia na minha fantasia, aquela melancolia se transformava em medo, e a compaixão, em repulsa. É tão verdadeiro e ao mesmo tempo tão terrível o fato de que, ao vermos ou presenciarmos a miséria, os nossos melhores sentimentos são despertados até um certo ponto; mas, em certos casos especiais, não passam disso. Erram os que afirmam que é devido apenas ao egoísmo inerente ao coração humano. Na verdade, provém de uma certa impotência em remediar um mal excessivo e orgânico. Para uma pessoa sensível, a piedade é quase sempre uma dor. Quando afinal percebe que tal piedade não significa um socorro eficaz, o bom senso compele a alma a desvencilhar-se dela. O que vi naquela manhã convenceu-me de que o escrivão era vítima de um mal inato e incurável. Eu podia dar esmolas ao seu corpo, mas o seu corpo não lhe doía; era a sua alma que sofria, e ela estava fora do meu alcance.

Não realizei o meu propósito de ir à igreja Trinity naquela manhã. De certa forma, as coisas que eu presenciara me desclassificaram para o culto religioso. Voltei para casa pensando no que faria com Bartleby. Por fim, decidi que faria algumas perguntas simples no dia seguinte, sobre a sua história etc.