Boas Esposas
Ficha Técnica
Título original: Good Wives
Autora: Louisa May Alcott
Tradução: Isabel Veríssimo
Revisão: Oficina do Livro
Capa: Maria Manuel Lacerda
sobre ilustração de Daniel Silvestre da Silva / illustopia.com
ISBN: 9789897416255
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CAPÍTULO UM
NOTÍCIAS
Para podermos retomar a nossa história e ir ao casamento de Meg com conhecimento de causa, será boa ideia pormo-nos a par da vida dos March. E deixem-me referir, à laia de introdução, que se algumas das pessoas mais velhas pensarem que há demasiado «amor» na história, o que é muito provável (não penso que os jovens façam esse comentário), só posso dizer o que diz a Sr.ª March: «Que é que se pode esperar quando tenho quatro alegres raparigas em casa e um vizinho jovem e elegante em frente?»
Os três anos que passaram trouxeram poucas mudanças à pacata família. A guerra chegou ao fim e o Sr. March está de novo em casa, entretido com os seus livros e com a pequena paróquia que encontrou nele um pastor por natureza e vocação. É um homem tranquilo e estudioso, com uma riqueza de conhecimento que é melhor do que instrução, a caridade que chama «irmão» a toda a humanidade e a devoção sincera que se revela no carácter, tornando-o majestoso e encantador.
Apesar da pobreza e da grande integridade que lhe negaram os sucessos mais mundanos, estes atributos atraíram para o Sr. March muitas pessoas admiráveis com a mesma naturalidade com que as ervas doces atraem as abelhas, e com igual naturalidade ele deu-lhes o mel destilado em cinquenta anos de dura experiência sem que se lhe colasse uma única gota amarga. Impetuosos jovens adultos descobriram que o erudito senhor de cabelo grisalho era tão fervoroso e jovem de espírito como eles; mulheres pensativas ou aflitas traziam-lhe instintivamente as suas dúvidas e mágoas, com a certeza de que encontrariam a mais gentil compreensão e o mais sábio conselho; pecadores confessavam os seus pecados ao velho senhor de coração puro e eram censurados e salvos; homens dotados encontravam nele um companheiro; homens ambiciosos vislumbravam ambições mais nobres do que as suas; e até pessoas seculares reconheciam que as crenças dele eram lindas e verdadeiras, mas «não compensavam».
As pessoas de fora ficavam com a impressão de que eram as cinco enérgicas mulheres que governavam a casa, e assim acontecia efetivamente em muitas coisas; no entanto, aquele homem tranquilo que gostava de se sentar no meio dos seus livros continuava a ser o chefe da família, a consciência, âncora e consolo da casa. Era a ele que as mulheres ocupadas e ansiosas recorriam em todos os momentos difíceis, encontrando sempre, no mais verdadeiro sentido daquelas palavras sagradas, um marido e um pai.
As raparigas entregavam o coração à mãe e a alma ao pai; e a ambos, que viviam e trabalhavam tão diligentemente para elas, dedicavam um amor que cresceu com elas e os unia com laços da mais doce ternura que abençoa a vida e sobrevive à morte.
A Sr.ª March está tão cheia de energia e alegre como a vimos da última vez, se bem que o cabelo esteja muito mais grisalho, e agora está tão envolvida nos assuntos de Meg, que os hospitais e os sanatórios, ainda cheios de «rapazes» feridos e viúvas de soldados, sentem sem dúvida a falta das suas visitas missionárias.
John Brooke cumpriu com honra o seu dever durante um ano, foi ferido e mandado para casa, e não o autorizaram a regressar à frente de combate. Não recebeu estrelas nem condecorações, mas merecia-as porque arriscou de boa vontade tudo o que tinha; e a vida e o amor são muito preciosos quando estão em pleno florescimento. Completamente resignado com a dispensa, dedicou-se a restabelecer-se e a preparar-se para trabalhar e poder arranjar uma casa para Meg. Com o bom senso e independência que o caracterizavam, recusou as muito generosas ofertas do Sr. Laurence e aceitou o cargo de auxiliar de guarda-livros, sentindo-se mais satisfeito por começar com um salário ganho com honestidade do que correndo riscos com dinheiro emprestado.
Meg passara o tempo de espera a trabalhar, desenvolvendo a sua personalidade de mulher e aperfeiçoando as artes domésticas. Estava mais bonita do que nunca, pois o amor embeleza muito. Tinha as mesmas ambições e esperanças que têm todas as jovens e estava algo desapontada por ver que a sua nova vida começaria de uma forma tão humilde. Ned Moffat acabara de se casar com Sallie Gardiner e Meg não conseguia deixar de comparar a grande casa e carruagem que eles tinham, os muitos presentes que haviam recebido e as roupas
esplêndidas com as suas e, em segredo, desejava poder ter as mesmas coisas. Porém, a inveja e o descontentamento depressa se desvaneceram ao pensar em todo o paciente amor e trabalho que John dedicara à pequena casa que a esperava; e quando se sentavam ao anoitecer, conversando sobre os seus modestos planos, o futuro parecia sempre tão lindo e promissor, que ela se esquecia do esplendor de Sallie e sentia-se a rapariga mais rica e feliz de toda a cristandade.
Jo nunca mais voltou à casa da tia March, pois a velha senhora afeiçoou-se tanto a Amy, que a subornou com a oferta de lições de desenho com um dos melhores professores do momento, e por esta oferta Amy teria servido uma patroa muito mais severa. Assim, dedicava as manhãs ao dever e as tardes ao prazer, e estava muito bem. Entretanto, Jo dedicava-se à literatura e a Beth, que continuava com uma saúde delicada muito depois de a febre ter passado à história. Não era propriamente uma inválida, mas nunca mais foi a criatura rosada e saudável que fora em tempos; no entanto, estava sempre animada, feliz e serena, ocupando-se com as pequenas tarefas que adorava; era amiga de toda a gente e um anjo em casa, muito antes de as pessoas que mais a amavam se darem conta disso.
Enquanto o The Spread Eagle lhe pagasse um dólar por cada coluna das suas «parvoíces», como lhes chamava, Jo sentia-se uma mulher de posses e continuava a escrever diligentemente os seus pequenos romances. Todavia, grandes planos fermentavam no seu ocupado cérebro e na sua ambiciosa mente, e a velha fornalha das águas-furtadas continha uma pilha cada vez maior de manuscritos manchados de tinta que um dia colocariam o apelido March nos anais da fama.
Laurie fora para a universidade, para agradar ao avô, e agora fazia o curso da maneira mais fácil possível para agradar a si mesmo. Mimado por toda a gente por causa do seu dinheiro, modos, muito talento e o mais bondoso dos corações que estava sempre em sarilhos por tentar livrar outras pessoas deles, corria o grande risco de se perder, e talvez se tivesse perdido, como muitos outros promissores rapazes, se não possuísse um talismã contra o mal: a recordação do bondoso velhote que estava tão ligado ao seu sucesso, a maternal amiga que olhava por ele como se fosse seu filho e, por fim, mas não menos importante, o conhecimento de que quatro inocentes raparigas o amavam, admiravam e acreditavam nele com todas as suas forças.
Como era apenas um «glorioso rapaz humano», é evidente que se divertia e namorava, começou a vestir-se como um dândi, a praticar desportos aquáticos, era sentimental ou ginasta, consoante o ditame das modas universitárias; praxava e era praxado, falava calão e esteve mais do que uma vez perigosamente perto da suspensão e da expulsão. Porém, como as causas destas travessuras eram o bom humor e a diversão, conseguia salvar-se sempre com uma confissão franca, com honrada expiação ou com o irresistível poder de persuasão que possuía com perfeição. Verdade seja dita, orgulhava-se de escapar por um triz e gostava de encantar as raparigas com relatos realistas dos seus triunfos sobre tutores enfurecidos, solenes professores e inimigos vencidos. Os «homens da minha classe» eram heróis aos olhos das raparigas, que nunca se cansavam das proezas dos «nossos colegas» e podiam muitas vezes regalar-se com os sorrisos destas fantásticas criaturas quando Laurie os levava para casa consigo.
Amy era uma das que mais desfrutavam desta grande honra e tornou-se uma beldade entre eles; pois Sua Senhoria depressa sentiu, e aprendeu a usar, o dom do fascínio de que era dotada. Meg estava demasiado absorta no seu John para se preocupar com outros senhores da criação, e Beth era demasiado tímida para fazer mais do que espreitar para eles e espantar-se por Amy se atrever a dar-lhes ordens; mas Jo sentia-se no seu elemento e era muito difícil refrear-se e não imitar as suas atitudes, frases e proezas, que lhe pareciam mais naturais do que as atitudes de decoro impostas às jovens senhoras. Todos gostavam muito de Jo, mas nunca se apaixonavam por ela, embora muito poucos escapassem a um ou dois suspiros sentimentais no altar de Amy. E falar em sentimento traz-nos muito naturalmente para o Pombal.
Pombal era o nome da casinha castanha que o Sr. Brooke preparara para ser o primeiro lar de Meg. O nome tinha sido dado por Laurie, que dizia ser muito apropriado para os gentis enamorados, que «andavam juntos como um casal de pombos, primeiro com uma bicada e depois com um arrulho».
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