Devias ter estado lá para ver.
— Como está a encantadora menina Randall? — perguntou Amy, com um grande sorriso.
— Mais cruel que nunca. Não vês como estou a definhar de desgosto? — Laurie deu uma sonora palmada no peito largo e soltou um melodramático suspiro.
— Qual é a última piada? Abre o pacote e vê, Meg — pediu Beth, espreitando para o embrulho cheio de protuberâncias.
— É uma coisa útil para ter em casa se houver um incêndio ou ladrões — observou Laurie, quando apareceu uma pequena matraca igual às que eram usadas pelos guardas, fazendo as raparigas começarem a rir.
— Sempre que o John estiver fora de casa e sintas medo, Sr.ª Meg, rodas isso à janela e vais despertar toda a vizinhança num piscar de olhos. É uma coisa boa, não é? — E Laurie deu-lhes uma amostra do poderoso despertador, que as fez tapar os ouvidos.
— Podias agradecer-me! E, por falar em agradecimentos, podes agradecer à Hannah por salvar o teu bolo de noiva da destruição. Vi-o ser levado para a vossa casa quando passei por lá e, se ela não o tivesse defendido com valentia, eu tinha-o provado, porque me pareceu extremamente delicioso.
— Será que vais crescer um dia, Laurie?! — exclamou Meg, num tom de mãe de família.
— Estou a fazer todos os possíveis para isso, minha senhora, mas não vou conseguir crescer muito mais porque nestes tempos degenerados um metro e oitenta é o máximo que todos os homens conseguem — respondeu o jovem cavalheiro, cuja cabeça quase tocava no pequeno lustre.
— Acho que seria uma profanação comer alguma coisa nesta casa novinha em folha, por isso, como estou esfomeado, proponho uma mudança de lugar — disse pouco depois.
— Eu e a mãe vamos esperar pelo John. Há algumas coisas de última hora para resolver — disse Meg, afastando-se muito atarefada.
— Eu e a Beth vamos à casa da Kitty Bryant buscar mais flores para amanhã — acrescentou Amy, prendendo um pitoresco chapéu sobre os bonitos caracóis e gostando tando do resultado como todos os presentes.
— Vamos, Jo, não abandones um amigo. Estou num estado de desfalecimento tal, que não vou conseguir chegar a casa sem ajuda. Faças o que fizeres, não tires o avental; favorece-te de uma forma peculiar — disse Laurie, quando Jo lhe mostrou o enorme bolso pelo qual ele sentia uma especial aversão e lhe ofereceu o braço para apoiar os seus fracos passos.
— Agora, Teddy, temos de falar muito a sério sobre amanhã — começou Jo, quando se afastaram juntos. — Tens de prometer que te vais portar bem e que não vais pregar partidas nem estragar os nossos planos.
— Nenhuma partida.
— E não vais dizer parvoíces quando tivermos de estar sérios.
— Eu nunca faço isso. Tu é que és boa nessas coisas.
— E imploro-te que não olhes para mim durante a cerimónia, porque de certeza que vou desatar a rir.
— Não me verás. Vais chorar tanto, que o denso nevoeiro à tua volta vai obscurecer tudo.
— Eu nunca choro, a não ser que aconteça uma grande desgraça.
— Como velhos amigos irem para a universidade? — interrompeu Laurie com uma sugestiva gargalhada.
— Não sejas convencido. Só me lamentei um pouco para fazer companhia às minhas irmãs.
— Claro. Diz-me, Jo, como está o avô esta semana? Bem-disposto?
— Muito. Mas porque é que perguntas? Meteste-te em algum sarilho e queres saber exatamente como ele vai reagir? — perguntou Jo, muito séria.
— Ora, Jo, achas que eu olharia a tua mãe nos olhos e lhe diria que está tudo bem se não estivesse? — Laurie calou-se com uma expressão magoada.
— Não, não acho.
— Então, não sejas tão desconfiada. Eu só quero algum dinheiro — disse Laurie, continuando a andar, apaziguado pelo tom sincero de Jo.
— Tu gastas demais, Teddy.
— Pobre inocente, eu não o gasto, ele gasta-se sozinho. Não sei como, mas desaparece sem eu dar por isso.
— Tu és tão generoso e bondoso, que toda a gente te pede dinheiro emprestado e não consegues dizer «não» a ninguém. Soubemos o que aconteceu com o Henshaw e tudo o que fizeste por ele. Se gastares sempre o dinheiro assim, ninguém pode censurar-te — disse Jo calorosamente.
— Oh, ele fez uma tempestade num copo de água! Não podia deixar que aquele bom homem se matasse a trabalhar por não ter uma pequena ajuda, quando vale mais do que uma dúzia de tipos preguiçosos... tu deixarias?
— Claro que não, mas não percebo a utilidade de ter dezassete coletes, inúmeras gravatas e um chapéu novo sempre que vens a casa. Pensei que já tinhas ultrapassado aquele período de dândi, mas de vez em quando surge em algum lado. Agora, a moda é estar horrível, transformar a cabeça numa escova para esfregar a loiça, usar uma camisa de forças, luvas cor de laranja e botas de solas duplas e biqueiras quadradas. Se fosse uma coisa horrível mas barata, eu não diria nada, mas custa tanto como a outra e não me dá nenhuma satisfação.
Laurie atirou a cabeça para trás e riu-se tanto deste ataque, que o chapéu de feltro caiu e Jo pisou-o, um episódio que só lhe deu uma oportunidade para discorrer sobre as vantagens de uma roupa simples enquanto dobrava o maltratado chapéu e o enfiava no bolso.
— Sê boazinha e não me ralhes mais. Já me chegou a semana inteira, e gosto de me divertir quando venho para casa. Amanhã vou estar muito bem arranjado, sem olhar a gastos, e serei uma satisfação para os meus amigos.
— Se deixares crescer o cabelo, eu deixo-te em paz. Não sou aristocrata, mas oponho-me a ser vista com uma pessoa que parece um jovem pugilista — observou Jo num tom severo.
— Este estilo despretensioso promove o estudo, é por isso que o adotamos — respondeu Laurie, que decerto não poderia ser acusado de vaidade, pois sacrificara voluntariamente um lindo cabelo encaracolado por uma penugem com menos de um centímetro.
— A propósito, Jo, acho que o pequeno Parker está a ficar embeiçado pela Amy. Não para de falar nela, escreve poemas e anda de um lado para o outro de uma maneira muito suspeita. Seria melhor que cortasse esta pequena paixão enquanto ainda está a desabrochar, não achas? — acrescentou Laurie num tom confidencial de irmão mais velho, após um momento de silêncio.
— Claro que sim. Não queremos mais nenhum casamento nesta família nos próximos anos. Que Deus tenha piedade de nós; em que é que as crianças estão a pensar! — E Jo pareceu tão escandalizada como se Amy e o pequeno Parker ainda não fossem adolescentes.
— Vivemos tempos muito rápidos e não sei onde vamos parar, minha senhora. Tu és apenas uma criança, mas vais a seguir, Jo, e nós vamos ficar a chorar — disse Laurie, abanando a cabeça ao pensar na degeneração dos tempos.
— Eu! Não te assustes, que eu não sou do tipo agradável. Ninguém me vai querer, e é uma bênção, pois tem de haver sempre uma velha solteirona numa família.
— Tu não dás hipótese a ninguém — disse Laurie, com um olhar de soslaio e um pouco mais de cor que antes no rosto bronzeado.
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