O Sr. Laurence e a tia March encolheram os ombros e sorriram um para o outro quando perceberam que os únicos néctares que as três Hebes serviam eram água, limonada e café, mas ninguém disse nada até que Laurie, que insistira em servir a noiva, apareceu com uma salva na mão e uma expressão intrigada no rosto. 

— A Jo partiu todas as garrafas de vinho sem querer? — sussurrou. — Ou enganei-me quando me pareceu ver algumas por aqui esta manhã? 

— Não, o teu avô teve a amabilidade de nos oferecer o seu melhor vinho e a tia March também mandou algumas garrafas, mas o nosso pai separou um pouco para a Beth e mandou o resto para o Lar dos Soldados. Sabes que ele pensa que o vinho só deve ser usado em caso de doença, e a nossa mãe diz que nem ela nem as filhas oferecerão tal coisa a um jovem na sua casa. 

Meg falou com grande seriedade e esperou ver Laurie franzir o sobrolho ou rir-se; mas ele não fez nada disso — olhou-a rapidamente e disse, no seu tom impetuoso: 

— Gosto disso. Já vi bastantes danos por causa dele para desejar que outras mulheres pensem como vocês! 

— Espero que não tenhas sabido por experiência própria…? — e a voz de Meg assumiu uma entoação ansiosa. 

— Não. Dou-te a minha palavra de honra. Mas não me dês demasiado crédito; não é uma das minhas tentações. Como fui criado numa zona onde o vinho é tão comum como a água, e quase tão inofensivo, não me interesso por ele; mas quando nos é oferecido por uma bonita rapariga, não podemos recusar, não é? 

— Mas recusarás, se não por ti, pelos demais. Vá lá, Laurie, promete e dá-me mais uma razão para dizer que este é o dia mais feliz da minha vida. 

Um pedido tão súbito e tão sério fez o jovem hesitar durante alguns instantes, pois o ridículo é muitas vezes mais difícil de suportar que o espírito de sacrifício. Meg sabia que se ele lhe prometesse cumpriria a palavra dada a todo o custo; e, sentindo o seu poder, usou-o como só uma mulher pode usar para o bem do amigo. Não falou, mas levantou os olhos para ele com um rosto que a felicidade tornava muito eloquente e um sorriso que dizia: «Hoje ninguém pode recusar-me nada.» Certamente, Laurie não podia; e, com um sorriso nos lábios, estendeu-lhe a mão e disse, com sinceridade: 

— Prometo, senhora Brooke! 

— Muito, muito obrigada. 

— E eu brindo a que a tua resolução tenha uma vida longa, Teddy — exclamou Jo, batizando-o com um borrifo de limonada enquanto acenava com o copo e olhando-o com uma expressão de radiosa aprovação. 

O brinde foi feito, a promessa confirmada e a lealdade mantida, apesar de muitas tentações; pois, com sabedoria instintiva, as raparigas tinham aproveitado um momento feliz para fazer um serviço ao amigo que ele lhes agradeceria para o resto da vida. 

Depois do almoço, as pessoas começaram a passear, em grupos de dois e três, aproveitando o sol fora e dentro. Meg e John estavam juntos no meio do canteiro de relva quando Laurie teve uma inspiração que deu o último toque neste descontraído casamento. 

— Todas as pessoas casadas vão dar as mãos e dançar à volta dos noivos, como fazem os alemães, enquanto os solteiros e as solteiras bailam do lado de fora! — exclamou Laurie, dançando pelo carreiro com Amy, com um espírito e habilidade tão contagiosos que todos seguiram o seu exemplo sem protestar. O Sr. e a Sr.ª March, a tia e o tio Carrol deram o exemplo e outros depressa se juntaram a eles; até Sallie Moffat, após um breve instante de hesitação, pôs a cauda do vestido no braço e puxou Ned para a roda. Mas o melhor de tudo foram o Sr. Laurence e a tia March, pois, quando o imponente cavalheiro se aproximou solenemente da anciã em passo de dança, ela prendeu a bengala debaixo do braço e saltitou para se juntar ao resto do grupo e dançar à volta dos noivos enquanto os jovens invadiam o jardim como borboletas num dia de verão. 

A falta de fôlego pôs fim ao baile improvisado e os convidados começaram a ir-se embora. 

— Desejo-te muitas felicidades, minha querida, do fundo do coração, mas acho que te vais arrepender — disse a tia March para Meg, acrescentando para o noivo, que a acompanhou à carruagem: — Tem um tesouro, meu jovem... faça por merecê-lo. 

— É o casamento mais bonito que vejo em muito tempo, Ned, e não sei porquê, porque não teve elegância nenhuma — comentou a Sr.ª Moffat com o marido quando partiram na sua carruagem. 

— Laurie, meu rapaz, se alguma vez quiseres fazer uma coisa destas, pede a uma dessas rapariguinhas para te ajudar e eu ficarei perfeitamente satisfeito — disse o Sr. Laurence, instalando-se numa poltrona para descansar depois da agitação da manhã. 

— Farei todos os possíveis para lhe agradar, senhor — foi a resposta invulgarmente obediente de Laurie, enquanto soltava com cuidado o raminho de flores que Jo lhe pusera na lapela. 

A casinha dos noivos não era muito longe e a única viagem de lua de mel que Meg teve foi o tranquilo passeio com John da velha casa para a nova. 

Quando desceu, parecendo uma bonita quaker1 no seu fato cinzento-pomba e chapéu de palha com uma fita branca, todos se reuniram à sua volta para dizer «adeus» com tanta ternura como se ela fosse dar a volta ao mundo. 

— Não pensem que me vou separar de vós, minha querida mãe, nem que vos amo menos por amar tanto o John — disse ela, abraçando a mãe por instantes com lágrimas nos olhos. — Virei todos os dias, pai, e espero manter o lugar que sempre ocupei nos vossos corações, apesar de estar casada. A Beth vai passar muito tempo comigo e as outras raparigas vão aparecer de vez em quando para se rirem das minhas lutas domésticas. Obrigada a todos pelo maravilhoso dia de casamento. Adeus, adeus! 

Quando se afastou de braço dado com o marido, com as mãos cheias de flores e o sol de junho a iluminar o seu rosto feliz, todos ficaram a olhá-la com as caras cheias de amor, esperança e terno orgulho — e assim começou a vida de casada de Meg. 

1 É o nome dado a vários grupos religiosos, com origem comum num movimento protestante britânico do século XVII. São conhecidos pela defesa do pacifismo e da simplicidade. (N. da T.) 

 

CAPÍTULO TRÊS

TENTATIVAS ARTÍSTICAS 

 

 

 

As pessoas demoram muito tempo a aprender a diferença entre talento e génio, sobretudo os ambiciosos rapazes e raparigas. Amy começava a aprender essa distinção através de muitas tribulações, pois, confundindo entusiasmo com inspiração, tentou todas as facetas da arte com a audácia da juventude. Durante muito tempo, houve uma pausa nas modelagens com barro e dedicou-se a lindos desenhos a aparo e tinta, nos quais mostrava tanto gosto e habilidade, que os seus graciosos trabalhos se revelaram ao mesmo tempo agradáveis e lucrativos. Porém, a vista cansada depressa a levou a pôr de parte o aparo e a tinta e a fazer uma audaz tentativa no mundo das pirogravuras. Enquanto este ataque durou, a família viveu em constante pavor de uma conflagração, pois o odor a madeira queimada espalhava-se pela casa inteira a todas as horas e havia fumo a sair do sótão e do barracão com uma frequência alarmante. Atiçadores incandescentes viam-se por toda a parte e Hannah nunca ia para a cama sem deixar um balde com água e a sineta do jantar à porta, não fosse dar-se o caso de haver um incêndio. O rosto de Rafael foi encontrado muito bem executado na parte inferior da bancada de moldagem e Baco no cimo de um barril de cerveja, enquanto um querubim passou a adornar a tampa da caixa do açúcar e tentativas de retratar «Garrick a comprar luvas a uma operária francesa» serviram para acender o lume durante algum tempo. 

Do fogo ao óleo foi uma transição natural para os dedos queimados e Amy dedicou-se à pintura com um ardor igualmente grande.