Uma amiga artista ofereceu-lhe as paletas, pincéis e cores de que já não precisava e ela pôs-se a pintar toscas paisagens campestres e marítimas como nunca tinham sido vistas em terra ou mar. As monstruosidades que representavam gado teriam vencido prémios numa feira agrícola e a perigosa inclinação dos seus navios teria provocado enjoos ao mais náutico observador, se o profundo desrespeito por todas as regras da construção de barcos não o fizesse desatar a rir às gargalhadas, ao primeiro olhar. Rapazes morenos e imagens de Nossa Senhora de olhos escuros a olhar para as pessoas de um canto do estúdio não faziam lembrar Murillo; sombras de rostos a óleo castanho, com uma pálida mancha no lado errado pretendiam assemelhar-se a Rembrandt; senhoras de formas generosas e bebés hidrópicos, Rubens; e Turner aparecia em tempestades de trovões azuis, relâmpagos cor de laranja, chuva castanha e nuvens roxas, com um borrão cor de tomate no meio, que podia ser o Sol ou uma boia salva-vidas, a camisa de um marinheiro ou o manto de um rei, como o espectador preferisse. 

A seguir vieram os retratos a carvão e toda a família foi pendurada numa fila na parede, com um aspeto tão selvagem e fuliginoso como se tivessem saído de um depósito de carvão. Suavizados quando passou aos lápis de cera, os desenhos ficaram melhor, pois as semelhanças eram boas e o cabelo de Amy, o nariz de Jo, a boca de Meg e os olhos de Laurie foram declarados «maravilhosamente bons». Seguiu-se um regresso ao barro e ao gesso e todos os cantos da casa se viram ocupados com os fantasmagóricos moldes dos seus amigos, que também caíam das prateleiras de armários para as cabeças das pessoas. Crianças foram subornadas para servir de modelos até os seus incoerentes relatos das misteriosas atividades terem levado a Menina Amy a ser considerada uma espécie de jovem ogra. Porém, os seus esforços nesta atividade tiveram um fim abrupto devido a um lamentável acidente que a fez perder o entusiasmo. Como os modelos escasseavam, dedicou-se a moldar o seu lindo pé, e um dia a família alarmou-se com uma balbúrdia de estrondos e gritos. Correram para ver o que se passava e encontraram a entusiasta jovem com o pé preso numa panela de gesso que tinha endurecido com inesperada rapidez. Foi libertada com muita dificuldade e algum perigo, pois Jo ria-se tanto enquanto escavava, que a faca foi longe demais, cortou o pobre pé e deixou uma duradoura recordação daquele ensaio artístico. 

Depois disto, Amy acalmou, até que uma mania de desenhar a natureza a levou a ir para o rio, para os campos e para os bosques em busca de pitorescos estudos e a suspirar por ruínas para copiar. Inúmeras foram as constipações que apanhou na erva húmida para registar «um delicioso pormenor», composto por uma pedra, um tronco caído, um cogumelo e um pé de verbasco ou uma «maravilhosa massa de nuvens» que pareciam uma exposição de colchões de penas depois de terminado o desenho. Sacrificou a tez ao andar no rio à torreira do sol de verão para estudar luz e sombra e ficou com uma ruga no nariz depois de tentar «pontos de fuga», ou o que se chama a franzir e esticar os olhos e a testa. 

Se o «génio é a paciência eterna», como afirma Michelangelo, por certo Amy teria algum direito ao atributo divino, pois perseverava apesar de todos os obstáculos, fracassos e desencorajamentos, acreditando piamente que algum dia faria uma coisa digna de ser chamada «grande arte». 

Entretanto, aprendia, praticava e desfrutava de outras coisas, pois estava decidida a ser uma mulher atraente e perfeita, mesmo que nunca fosse uma grande artista. Neste campo obteve melhores resultados, pois era um desses seres criados com felicidade que agradam sem esforço, fazem amigos em toda a parte e vivem a vida com tanta graciosidade e facilidade que as almas menos afortunadas se sentem tentadas a acreditar que nasceram com uma estrelinha da sorte. Todos gostavam dela, porque entre os seus dons contava-se o tato. Tinha uma noção instintiva do que era agradável e apropriado, dizia sempre a coisa certa a cada pessoa, fazia o que era adequado a cada momento e lugar e era tão senhora de si que as irmãs costumavam dizer: «Se a Amy tivesse de ir à corte sem um ensaio prévio, saberia exatamente o que fazer.» 

Uma das suas fraquezas era um desejo de se dar com «a nossa melhor sociedade», sem saber muito bem o que isso era. Dinheiro, posição, dotes em voga e modos elegantes eram as coisas mais desejáveis aos seus olhos, e gostava de se associar a quem as possuía, tomando muitas vezes o falso por verdadeiro e admirando o que não era admirável. Nunca esquecendo que era uma dama por nascimento, cultivava os gostos e modos de sentir aristocráticos, para que, quando a oportunidade surgisse, estivesse pronta para ocupar o lugar de onde a pobreza a excluía agora. 

«Sua Senhoria», como as amigas lhe chamavam, desejava sinceramente ser uma verdadeira dama, e era-o na essência, mas ainda tinha de aprender que o dinheiro não pode comprar refinamento de natureza, que a posição nem sempre confere nobreza e que o verdadeiro berço se faz apesar das desvantagens externas. 

— Quero pedir-lhe um favor, mãe — anunciou Amy um dia, entrando em casa com uma expressão importante. 

— O que é, minha pequenina? — replicou a mãe, para quem a altiva jovem continuava a ser «a bebé». 

— A nossa classe de desenho termina na próxima semana, e, antes de me separar das minhas colegas no verão, quero convidá-las para passarem um dia cá em casa. Elas estão loucas para ver o rio, desenhar a ponte partida e copiar algumas das coisas que admiram no meu bloco de desenho. Têm sido muito amáveis comigo de muitas formas, e estou-lhes grata, pois são todas ricas e eu sei que sou pobre, mas nunca fizeram diferença. 

— Porque é que fariam? — E a Sr.ª March fez a pergunta com aquele a que as raparigas chamavam o seu ar de «Maria Theresa». 

— A mãe sabe tão bem como eu que faz diferença para quase toda a gente, por isso não se erice como uma querida mãe galinha quando alguns dos seus pintainhos são picados por aves mais espertas. O patinho feio transformou-me num cisne. — E Amy sorriu sem amargura, pois possuía um temperamento feliz e um espírito cheio de esperança. 

A Sr.ª March riu-se e suavizou o orgulho maternal enquanto perguntava: 

— Bem, meu cisne, qual é o teu plano? 

— Queria convidar as raparigas para almoçar na próxima semana, levá-las a dar um passeio de carruagem pelos lugares que querem ver, talvez fazer um passeio de barco no rio e uma pequena festa artística para elas. 

— Parece-me exequível. Que queres para o almoço? Suponho que bastará bolos, sanduíches, fruta e café? 

— Oh, não, mãe! Também temos de servir língua e frango, chocolate francês e gelado. Elas estão acostumadas a essas coisas e eu quero que o meu almoço seja bom e elegante, embora tenha de trabalhar para viver. 

— Quantas jovens são? — perguntou a mãe, começando a ficar séria. 

— Doze ou catorze na aula, mas estou convencida de que não virão todas. 

— Credo, filha, terás de fretar um autocarro para as transportar. 

— Ora, mãe, como é que pode pensar uma coisa dessas? O mais certo é virem apenas umas seis ou oito, por isso vou alugar um carrinho de praia e pedir emprestado o charabã do Sr. Laurence. 

— Tudo isso vai sair caro, Amy. 

— Não muito. Já calculei o custo e serei eu a pagar tudo. 

— Não achas, querida, que as tuas amigas estão habituadas a essas coisas e por melhor que façamos não será uma novidade? Não te parece que um plano mais simples vai ser uma agradável mudança para elas e será muito melhor para nós do que comprar ou pedir emprestado o que não necessitamos e tentar um estilo que não está de acordo com as nossas circunstâncias? 

— Se não fizer como quero, prefiro não fazer nada. Sei que posso preparar tudo perfeitamente bem, se a mãe e as manas ajudarem um pouco. E não percebo porque é que não posso, se estou disposta a pagar tudo — declarou Amy, com a decisão que se transformava em obstinação quando era contrariada. 

A Sr.ª March sabia que a experiência era uma excelente professora e, se possível, deixava que as filhas aprendessem sozinhas as lições que ela facilitaria de bom grado, se elas não se opusessem tanto a aceitar conselhos como sais e sene. 

— Muito bem, Amy, se estás decidida e pensas que poderás fazer tudo sem gastar demasiado dinheiro, tempo e calma, não direi mais nada. Combina com as tuas irmãs e eu farei tudo o que puder para vos ajudar. 

— Obrigada, mãe. A senhora é sempre tão boa! — E lá foi Amy contar o seu plano às irmãs. 

Meg concordou logo e prometeu ajudar — oferecendo de boa vontade tudo o que tinha, desde a sua casinha até às melhores colheres de sal. Pelo contrário, Jo desaprovou todo o projeto e no começo não queria fazer nada. 

— Por que diabo gastarias o teu dinheiro, incomodarias a tua família e virarias a casa de pernas para o ar para receber um bando de raparigas que não se importam nada contigo? Pensei que eras demasiado sensata e orgulhosa para te submeteres a qualquer mulher mortal só porque ela usa botas francesas e anda de cupé — declarou Jo, que, como tinha sido arrancada ao trágico clímax do seu romance, não estava com a melhor das disposições para assuntos sociais. 

— Eu não me submeto e detesto tanto como tu ser tratada com condescendência! — retorquiu Amy num tom indignado, pois as duas raparigas ainda se desentendiam quando surgiam questões deste tipo.