Bodas de Sangue

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A MÃE

A NOIVA

A SOGRA

A MULHER DE LEONARDO

A CRIADA

A VIZINHA

MOÇAS

MENINA

LEONARDO

O NOIVO

O PAI DA NOIVA

A LUA

A MORTE (como mendiga)

LENHADORES

MOÇOS




Primeiro Ato




QUADRO I


(Casa pintada de amarelo)


NOIVO (entrando) — Mãe.

MÃE — Quê?

NOIVO — Já vou.

MÃE — Aonde?

NOIVO — Para a vinha. (Vai sair.)

MÃE — Espere.

NOIVO — Quer alguma coisa?

MÃE — Filho, o almoço.

NOIVO — Deixe. Vou comer uvas. Me dê a navalha.

MÃE — Para quê?

NOIVO (rindo) — Para cortá-las.

MÃE (entre dentes e procurando-a) — A navalha, a navalha... Malditas sejam todas as navalhas, e o canalha que as inventou.

NOIVO — Vamos mudar de assunto.

MÃE — E as espingardas e as pistolas, e a menorzinha das facas, e até as enxadas e os ancinhos do roçado.

NOIVO — Bom.

MÃE — Tudo o que pode cortar o corpo de um homem. Um homem bonito, com sua flor na boca, que vai para as vinhas ou para os olivais que tem, porque são dele, herdados.

NOIVO (baixando a cabeça) — Chega, mãe.

MÃE — ... e esse homem não volta. Ou, se volta, é só para que a gente lhe ponha uma palma por cima, ou um prato de sal grosso, para não inchar. Não sei como você se atreve a levar uma navalha no corpo, nem sei como ainda deixo essa serpente dentro do baú.

NOIVO — Já não chega?

MÃE — Nem que eu vivesse cem anos, não falaria de outra coisa. Primeiro seu pai, que cheirava a cravo; e 50 o tive por três anos, tão curtos. Depois, seu irmão. E é justo? E é possível que uma coisa tão pequena como uma pistola ou uma navalha possa dar cabo de um homem, que é um touro? Não vou me calar nunca. Os meses passam e o desespero me perfura os olhos 2 pica até nas pontas do cabelo.

NOIVO (forte) — Vamos parar?

MÃE — Não. Não vamos parar. Alguém pode me trazer seu pai de volta? E seu irmão? E depois, o presídio. Mas o que é o presídio? Lá se come, lá se fuma, lá se toca música! Os meus mortos cobertos de grama, sem fala, viraram pó; dois homens que eram dois gerânios... Os assassinos, no presídio, folgados, olhando a paisagem...

NOIVO — E o que você quer, que eu os mate?

MÃE — Não.. Eu falo só porque... Como é que não vou falar, vendo você sair por essa porta? É que não gosto que você leve a navalha. E que. . . que não queria que você saísse para o campo.

NOIVO (rindo) — Ora!

MÃE — Como eu gostaria que você fosse mulher! Assim, não iria ao riacho, agora, e nós duas ficaríamos aqui bordando cortinas e cachorrinhos de lã.

NOIVO (pega a Mãe pelo braço e ri) — Mãe, e se eu levasse você comigo para as vinhas?

MÃE — Que é que uma velha vai fazer nas vinhas? Você ia me deixar debaixo das parreiras?

NOIVO (levantando-a nos braços) — Velha, revelha, requitivelha!

MÃE — Seu pai, sim, é que me levava. Boa casta. Sangue. Seu avô deixou um filho em cada esquina. Assim é que eu gosto. Os homens, homens; o trigo, trigo.

NOIVO — E eu, mãe?

MÃE — Você, o quê?

NOIVO — Preciso dizer tudo de novo?

MÃE (séria) — Ah!

NOIVO — Você acha ruim?

MÃE — Não.

NOIVO — E então?...

MÃE — Nem eu mesma sei. Assim, de repente, me assusta. Eu sei que a moça é boa.