Quando caminha, a seus pés se juntam ramos de cravinas.

CRIADA — Ai, menina de sorte!

SEGUNDO MOÇO — Que desperte a noiva!

CRIADA — Ai, minha bela!

PRIMEIRA MOÇA — A boda está chamando pelas janelas.

SEGUNDA MOÇA — Que venha essa noiva!

PRIMEIRA MOÇA — Que venha, que venha!

CRIADA — Que toquem e repiquem as campanas!

PRIMEIRO MOÇO — Lá vem, lá vem! Já vai chegar!

CRIADA — Como um touro, as bodas Vão se erguendo, afinal!

(Aparece a noiva. Vem com um vestido preto da moda de mil e novecentos, com anquinhas e cauda longa rodeada de gaze plissada e rendas duras. Sobre o penteado, na testa, traz a grinalda de flores de laranjeira. As guitarras tocam. As moças beijam a noiva.)

TERCEIRA MOÇA — Que perfume você pôs no cabelo?

NOIVA (rindo) — Nenhum.

SEGUNDA MOÇA (olhando o vestido) — Que fazenda mais linda!

PRIMEIRO MOÇO — E aqui está o noivo!

NOIVO — Salve!

PRIMEIRA MOÇA (pondo-lhe uma flor na orelha) — O noivo é assim como a flor do ouro.

SEGUNDA MOÇA — Brisas de sossego emanam seus olhos!

(O noivo vai para o lado da noiva.)

NOIVA — Por que pôs esses sapatos?

NOIVO — São mais alegres do que os pretos.

MULHER DE LEONARDO (entrando e beijando a Noiva) — Salve!

(Falam todos, em algazarra.)

LEONARDO (entrando, como quem cumpre um dever) — Na manhã do casamento a grinalda te poremos.

MULHER — Para que o campo se alegre nas ondas do teu cabelo.

MÃE (ao Pai) — Mas esses ai também vieram?

PAI — São da família. Hoje é dia de perdão!

MÃE — Eu calo, mas não perdoo.

NOIVO — Com a grinalda, dá gosto ver você.

NOIVA — Vamos logo para a igreja!

NOIVO — Está com pressa?

NOIVA — Sim. Quero ser sua mulher e ficar sozinha com você, e só ouvir sua voz, mais nenhuma.

NOIVO — É assim que eu quero!

NOIVA — E só ver os seus olhos, mais nada. E você há de me abraçar tão forte que, mesmo ao ouvir o chamado de minha mãe, que está morta, eu não possa me soltar.

NOIVO — Eu tenho força nos braços. Vou abraçá-la quarenta anos seguidos.

NOIVA (dramática, agarrando-lhe o braço) — Sempre!

PAI — Vamos logo! Peguem as montarias e os carros, que o sol já saiu.

MÃE — E tomem cuidado! Não vá nos acontecer algum desastre.

(Abre-se o grande portão do fundo. Começam a sair.)

CRIADA (chorando) — Ao saíres de casa, branca donzela, recorda-te que sais como uma estrela...

PRIMEIRA MOÇA — Limpa de corpo e roupa, ao saíres de casa para tuas bodas.

(Vão saindo.)

SEGUNDA MOÇA — Já sais de tua casa, vais para a igreja!

CRIADA — A brisa espalha flores pelas areias!

TERCEIRA MOÇA — Ai, branca menina!

CRIADA — Brisa escura é a renda de sua mantilha.

(Saem. Ouvem-se guitarras, baquetas e pandeirinhos. Leonardo e sua mulher ficam sós.)

MULHER — Vamos.

LEONARDO — Aonde?

MULHER — À igreja. Mas não vá a cavalo. Venha comigo.

LEONARDO — De carro?

MULHER — De que, então?

LEONARDO — Não sou homem de ficar andando em carros.

MULHER — E eu não sou mulher de ir sem marido a um casamento. Já não aguento mais!

LEONARDO — E eu também não!

MULHER — Por que me olha assim? Você tem um espinho em cada olho.

LEONARDO — Vamos!

MULHER — Não consigo saber o que há. Mas penso, e não quero pensar. Só sei de uma coisa: me jogaram fora. Mas tenho um filho. E outro que vem. Vamos indo. O mesmo destino de minha mãe. Mas daqui eu não me movo.

(Vozes fora.)

VOZES — Ao saíres de casa para a igreja, recorda-te que sais como uma estrela.

MULHER (chorando) — “Recorda-te que sais como uma estrela !“

Foi assim que saí da minha casa. O campo inteiro me cabia na boca.

LEONARDO (levantando-se)

— Vamos.

MULHER — Mas comigo!

LEONARDO — É. (Pausa.) Ande, vá! (Saem.)

VOZES — Ao saíres de casa para a igreja, recorda-te que sais como uma estrela.


CAI O PANO, LENTAMENTE




QUADRO II


(Exterior da cueva da noiva. Cores branco-acinzentadas e azul-frias. Grandes figueiras-da-índia. Tons sombrios e prateados. Panorama de mesetas [Pequenos planaltos — N. do T.] de cor pastel, todo endurecido, como paisagem de cerâmica popular.)


CRIADA (arrumando copos e bandejas em uma mesa) — Girava,

girava a roda

e a água passava.

Porque é dia das bodas,

que se afaste a ramagem

e que a lua se estenda

pela branca varanda.

(Em voz alta)

Ponha as toalhas!

(Em voz patética)

Cantavam, cantavam

os noivos e a água passava.

Porque é dia das bodas,

resplandeça o orvalho

e se encham de mel

as amêndoas amargas.

(Em voz alta)

Prepare o vinho!

(Em voz poética)

Formosa,

formosa desta terra,

olha como a água passa.

Porque são tuas bodas,

guarda as roupas rendadas,

e à sombra da asa do noivo

nunca mais saias de casa.

Porque o noivo é como um pombo,

com o peito todo em brasa

e o campo espera o rumor

do seu sangue a ser derramado.

Girava,

girava a roda

e a água passava.

Porque são tuas bodas,

deixa então que brilhe a água.


MÃE (entrando) — Até que enfim!

PAI — Somos os primeiros?

CRIADA — Não. Há pouco chegou Leonardo com sua mulher.