Correram como o diabo. A mulher estava morta de medo. Chegaram tão rápido como se tivessem vindo a cavalo.
PAI — Esse aí está procurando desgraça. Tem sangue ruim.
MÃE — E que sangue podia ter? O mesmo da família toda. Vem do bisavô dele, que começou matando, e continua em toda essa ralé maldita, gentalha de faca pronta e de sorriso falso.
PAI — Não ligue para ele.
CRIADA — Como é que não vai ligar?
MÃE — Isso me dói até na ponta das veias. Olho para cada um deles e só vejo a mão com que mataram o que era meu. Está me vendo assim? Não pareço louca? Louca, sim, por não ter gritado tudo o que meu peito precisa. Trago no peito um grito sempre de pé, que tenho de castigar e esconder entre os mantos. Mas levam os meus mortos, e tenho que calar. Depois, o povo critica. (Tira o manto.)
PAI — Hoje não é dia de lembrar essas coisas.
MÃE — Quando se fala nisso, tenho que desabafar. E hoje mais do que nunca. Porque hoje vou ficar só, na minha casa.
PAI — Mas depois vai ter companhia.
MÃE — Essa é a minha ilusão: os netos.
(Sentam-se.)
PAI — Eu quero que tenham muitos. Esta terra precisa de braços que não sejam pagos. Para lutar com as ervas ruins, com os cactos, com o cascalho que aparece onde menos se espera. E esses braços têm que ser dos donos, que castiguem e que dominem, que façam brotar as sementes. É preciso muitos filhos.
MÃE — E ao menos uma filha! Os machos são do vento! Têm, por força, que usar armas. As meninas nunca saem à rua.
PAI (alegre) — Eu acho que vão ter de tudo.
MÃE — Meu filho vai cobrir bem a moça. É de boa semente. O pai dele podia ter tido muitos filhos comigo.
PAI — Eu queria é que isso fosse para amanhã. Que tivessem logo dois ou três homens.
MÃE — Mas não é assim. Demora muito. Por isso é que é tão terrível ver o sangue da gente derramado pelo chão. Uma fonte que corre um minuto, e que para nós custou anos e anos. Quando cheguei para ver meu filho, estava caído no meio da rua. Molhei minhas mãos no sangue e as lambi, com esta língua. Porque era sangue meu. Você não sabe o que é isso. Se eu pudesse, guardava a terra encharcada pelo sangue numa jarra de cristal e de topázios.
PAI — Agora você tem que esperar. Minha filha tem ancas largas, e seu filho é forte.
MÃE — Espero que sim.
(Levantam-se.)
PAI — Prepare as bandejas de trigo.
CRIADA — Já estão prontas.
MULHER DE LEONARDO (entrando) — Que sejam felizes!
MÃE — Obrigada.
LEONARDO — Vai haver festa?
PAI — Pouca coisa.
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