As bodas serão daqui a um mês. Espero que venham convidar a gente.
LEONARDO (sério) — Não sei.
SOGRA — Acho que a mãe dele não estava lá muito satisfeita com o casamento.
LEONARDO — E talvez tenha razão. Ela é danada.
MULHER — Não gosto que você pense essas coisas de uma moça direita.
SOGRA — Mas se ele diz isso é porque sabe. Você esqueceu que ela foi sua noiva por três anos? (Com intenção.)
LEONARDO — Mas larguei dela. (Para sua mulher) Vai chorar, agora? Chega! (Arranca-lhe bruscamente as mãos do rosto.) Vamos ver o menino. (Saem abraçados.)
(Aparece a menina, alegre. Entra correndo.)
MENINA — Senhora.
SOGRA — Que é?
MENINA — O noivo chegou na loja e comprou tudo o que havia de melhor.
SOGRA — Veio sozinho?
MENINA — Não, com a mãe dele. Séria, alta. (Imita-a.) Mas que luxo!
SOGRA — Eles têm dinheiro.
MENINA — E compraram umas meias rendadas!... Ai, que meias! Toda mulher sonha com meias assim! Olhe só; uma andorinha aqui (aponta o tornozelo), um barco aqui (aponta a barriga da perna), e aqui uma rosa (aponta a coxa).
SOGRA — Menina!
MENINA — Uma rosa com os botões e o cabo! Ah! E toda de seda!
SOGRA — Vão se juntar dois bons capitais.
(Aparecem Leonardo e a mulher.)
MENINA — Vim contar o que eles estão comprando.
LEONARDO (forte) — Não interessa!
MULHER — Mas deixe...
SOGRA — Leonardo, não é para tanto.
MENINA — Com licença. (Sai chorando.)
SOGRA — Por que essa mania de brigar com as pessoas?
LEONARDO — Não pedi a sua opinião. (Senta-se.)
SOGRA — Muito bem. (Pausa.)
MULHER (a Leonardo) — O que há com você? Que ideia está remoendo nessa cabeça? Não me deixe assim, sem saber de nada...
LEONARDO — Chega.
MULHER — Não. Quero que olhe para mim e me diga o que é.
LEONARDO — Me deixe em paz. (Levanta-se.)
MULHER — Aonde vai, meu filho?
LEONARDO (áspero) — Quer calar a boca?
SOGRA (enérgica, para sua filha) — Quieta! (Leonardo sai.) O menino! (Sai e torna a entrar com ele nos braços. A Mulher permanece de pé, imóvel.) As patas feridas, a crina gelada dentro dos seus olhos um punhal de prata. Entravam no rio. Ai, tão fundo entravam! O sangue corria mais forte que a água.
MULHER (voltando-se lentamente e como que sonhando) — Dorme, cravo meu, que o cavalo se põe a beber.
SOGRA — Dorme, meu rosal, que o cavalo se põe a chorar.
MULHER — Nana, meu menino.
SOGRA — Ai, cavalo grande que não quis a água!
MULHER (dramática) — Não venhas, não entres! Vai para a montanha! Ai mágoa de neve, cavalo da alva!
SOGRA (chorando) — Meu menino dorme..
MULHER (chorando e aproximando-se lentamente) — Meu filho descansa..
SOGRA — Dorme, cravo meu, que o cavalo não quer mais beber.
MULHER (chorando e apoiando-se na mesa)
— Dorme, meu rosal, que o cavalo se põe a chorar.
CAIO PANO
QUADRO III
(Interior da cueva1 Onde mora a noiva. No fundo, uma cruz de grandes flores cor-de-rosa. Portas redondas, com cortinas de renda é laços cor-de-rosa. Nas paredes, de material branco e duro, leques redondos, jarros azuis e pequenos espelhos.)
CRIADA — Entrem... (Muito amável, cheia de hipocrisia humilde. Entram o Noivo e sua Mãe. A Mãe de cetim preto, com mantilha de renda. O Noivo, de algodão listrado de preto, com uma grande corrente de ouro.) Não querem sentar? Eles vêm já-já. (Sai.)
(A mãe e o filho ficam sentados, imóveis como estátuas. Longa pausa.)
MÃE — Trouxe o relógio?
NOIVO — Trouxe. (Tira-o e olha.)
MÃE — Temos que voltar a tempo. Como mora longe, esta gente!
NOIVO — Mas as terras são boas.
MÃE — Boas, mas muito desertas. Quatro horas de viagem e nem uma casa, nem uma árvore.
NOIVO — É que as terras são secas.
MÃE — Seu pai teria coberto tudo isto de árvores.
NOIVO — Sem água?
MÃE — Já teria arranjado.
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