Nos três anos que ficou casado comigo, plantou dez cerejeiras. (Recordando.) As três nogueiras do moinho, uma vinha inteira e uma planta que se chama Júpiter, que dá flores encarnadas, e secou.
(Pausa.)
NOIVO (pela Noiva) — Deve estar se vestindo.
(Entra o pai da noiva. É velho, com o cabelo branco e reluzente. Vem de cabeça inclinada. A mãe e o noivo levantam-se e ficam de mãos dadas, em silêncio.)
PAI — Muito tempo de viagem?
MÃE Quatro horas. (Sentam-se.)
PAI Vieram pelo caminho mais longo.
MÃE — Já estou velha demais para andar pelos barrancos do rio.
NOIVO — Tem tontura. (Pausa.)
PAI — Boa colheita de rami.
NOIVO — Boa, mesmo.
PAI — No meu tempo, nem rami dava esta terra. Foi preciso castigá-la e até chorar sobre ela para que nos desse algo que prestasse.
MÃE — Mas agora dá. Não se queixe. Eu não vim lhe pedir nada.
PAI (sorrindo) — Você é mais rica do que eu. As vinhas valem uma fortuna. Cada ramo, uma moeda de prata. Só me dá pena é que as terras... entende? ... fiquem separadas. Eu gosto é de tudo junto. Tenho um espinho no coração: é aquela hortazinha encravada no meio das minhas terras, que não querem me vender nem por todo o ouro do mundo.
NOIVO — É sempre assim.
PAI — Se a gente pudesse, com vinte juntas de bois, trazer suas vinhas para cá, e estendê-las lá na encosta! Que alegria!.
MÃE — Para quê?
PAI — O que é meu é dela, e o que é seu é dele. Por isso. Para ver tudo junto; junto é que dá gosto!
NOIVO — E dava menos trabalho.
MÃE — Quando eu morrer, vendam aquilo, e comprem aqui ao lado.
PAI — Vender, vender! Bah! Comprar, filha, comprar tudo! Se eu tivesse tido filhos tinha comprado este monte inteiro, até a beira do riacho. Porque não é boa terra, não; mas havendo braços, fica boa, e como não passa ninguém, não roubam os frutos da gente, e dá para se dormir tranquilo. (Pausa.)
MÃE — Sabe por que vim.
PAI — Sei.
MÃE — E então?
PAI — Acho bom. Eles já se entenderam.
MÃE — Meu filho tem e pode.
PAI Minha filha também.
MÃE Meu filho é bonito. Nunca teve mulher. Tem a honra mais limpa que um lençol estendido no varal.
PAI — Da minha, digo o mesmo. Prepara o mingau às três, com a estrela da manhã. Não fala nunca; suave como a lã, borda todo tipo de bordados e pode cortar uma corda com os dentes.
MÃE — Que Deus abençoe sua casa.
PAI — Que Deus a abençoe.
(Aparece a criada com duas bandejas. uma com taças e a outra com doces.)
MÃE (ao Filho) — Para quando quer as bodas?
NOIVO — Quinta-feira que vem.
PAI — Dia em que ela faz vinte e dois anos justos.
MÃE — Vinte e dois anos! A idade do meu filho mais velho, se estivesse vivo. Vivo, sim, valente e macho como era, se os homens não tivessem inventado as navalhas.
PAI — É melhor não lembrar disso.
MÃE — Cada minuto. Lá no fundo do peito.
PAI — Então, quinta-feira. Certo?
NOIVO — Certo.
PAI — Os noivos e nós vamos de coche até a igreja, que é muito longe, e os convidados vão nos carros e nas montarias que trouxerem.
MÃE — Certo.
(Entra a criada.)
PAI — Diga a ela que já pode vir.
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