A agitação dele era grande,

extraordinária, e do fundo das camadas morais emergiam alguns fantasmas de outro

tempo, as velhas crenças, as superstições antigas. O cocheiro propôs-lhe voltar à

primeira travessa, e ir por outro caminho: ele respondeu que não, que esperasse. E

inclinava-se para fitar a casa... Depois fez um gesto incrédulo: era a idéia de ouvir a

cartomante, que lhe passava ao longe, muito longe, com vastas asas cinzentas;

desapareceu, reapareceu, e tornou a esvair-se no cérebro; mas daí a pouco moveu

outra vez as asas, mais perto, fazendo uns giros concêntricos... Na rua, gritavam os

homens, safando a carroça:

— Anda! agora! empurra! vá! vá!

Daí a pouco estaria removido o obstáculo. Camilo fechava os olhos, pensava

em outras cousas: mas a voz do marido sussurrava-lhe a orelhas as palavras da

carta: "Vem, já, já..." E ele via as contorções do drama e tremia. A casa olhava para

ele. As pernas queriam descer e entrar . Camilo achou-se diante de um longo véu

opaco... pensou rapidamente no inexplicável de tantas cousas. A voz da mãe

repetia-lhe uma porção de casos extraordinários: e a mesma frase do príncipe de

Dinamarca reboava-lhe dentro: "Há mais cousas no céu e na terra do que sonha a

filosofia... " Que perdia ele, se... ?

Deu por si na calçada, ao pé da porta: disse ao cocheiro que esperasse, e

rápido enfiou pelo corredor, e subiu a escada. A luz era pouca, os degraus comidos

dos pés, o corrimão pegajoso; mas ele não, viu nem sentiu nada. Trepou e bateu.

Não aparecendo ninguém, teve idéia de descer; mas era tarde, a curiosidade

fustigava-lhe o sangue, as fontes latejavam-lhe; ele tornou a bater uma, duas, três

pancadas. Veio uma mulher; era a cartomante. Camilo disse que ia consultá-la, ela

fê-lo entrar. Dali subiram ao sótão, por uma escada ainda pior que a primeira e mais

escura. Em cima, havia uma salinha, mal alumiada por uma janela, que dava para o

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telhado dos fundos. Velhos trastes, paredes sombrias, um ar de pobreza, que antes

aumentava do que destruía o prestígio.

A cartomante fê-lo sentar diante da mesa, e sentou-se do lado oposto, com as

costas para a janela, de maneira que a pouca luz de fora batia em cheio no rosto de

Camilo. Abriu uma gaveta e tirou um baralho de cartas compridas e enxovalhadas.

Enquanto as baralhava, rapidamente, olhava para ele, não de rosto, mas por baixo

dos olhos. Era uma mulher de quarenta anos, italiana, morena e magra, com

grandes olhos sonsos e agudos. Voltou três cartas sobre a mesa, e disse-lhe:

— Vejamos primeiro o que é que o traz aqui. O senhor tem um grande susto...

Camilo, maravilhado, fez um gesto afirmativo.

— E quer saber, continuou ela, se lhe acontecerá alguma cousa ou não...

— A mim e a ela, explicou vivamente ele.