Mais valia acautelarem-se, sacrificando-se por algumas

semanas. Combinaram os meios de se corresponderem , em caso de necessidade,

e separaram-se com lágrimas.

No dia seguinte, estando na repartição, recebeu Camilo este bilhete de Vilela:

"Vem já, já, à nossa casa; preciso falar-te sem demora." Era mais de meio-dia.

Camilo saiu logo; na rua, advertiu que teria sido mais natural chamá-lo ao escritório;

por que em casa? Tudo indicava matéria especial, e a letra, fosse realidade ou

ilusão, afigurou-se-lhe trêmula. Ele combinou todas essas cousas com a notícia da

véspera.

— Vem já, já, à nossa casa; preciso falar-te sem demora, — repetia ele com

os olhos no papel.

Imaginariamente, viu a ponta da orelha de um drama, Rita subjugada e

lacrimosa, Vilela indignado, pegando da pena e escrevendo o bilhete, certo de que

ele acudiria, e esperando-o para matá-lo. Camilo estremeceu, tinha medo: depois

sorriu amarelo, e em todo caso repugnava-lhe a idéia de recuar, e foi andando. De

caminho, lembrou-se de ir a casa; podia achar algum recado de Rita, que lhe

explicasse tudo. Não achou nada, nem ninguém. Voltou à rua, e a idéia de estarem

descobertos parecia-lhe cada vez mais verossímil; era natural uma denúncia

anônima, até da própria pessoa que o ameaçara antes; podia ser que Vilela

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conhecesse agora tudo. A mesma suspensão das suas visitas, sem motivo aparente,

apenas com um pretexto fútil, viria confirmar o resto.

Camilo ia andando inquieto e nervoso. Não relia o bilhete, mas as palavras

estavam decoradas, diante dos olhos, fixas, ou então, — o que era ainda pior, —

eram-lhe murmuradas ao ouvido, com a própria voz de Vilela. "Vem já, já, à nossa

casa; preciso falar-te sem demora." Ditas assim, pela voz do outro, tinham um tom

de mistério e ameaça. Vem, já, já, para quê? Era perto de uma hora da tarde. A

comoção crescia de minuto a minuto. Tanto imaginou o que se iria passar, que

chegou a crê-lo e vê-lo. Positivamente, tinha medo. Entrou a cogitar em ir armado,

considerando que, se nada houvesse, nada perdia, e a precaução era útil. Logo

depois rejeitava a idéia, vexado de si mesmo, e seguia, picando o passo, na direção

do Largo da Carioca, para entrar num tílburi. Chegou, entrou e mandou seguir a trote

largo.

"Quanto antes, melhor, pensou ele; não posso estar assim..."

Mas o mesmo trote do cavalo veio agravar-lhe a comoção. O tempo voava, e

ele não tardaria a entestar com o perigo. Quase no fim da Rua da Guarda Velha, o

tílburi teve de parar, a rua estava atravancada com uma carroça, que caíra. Camilo,

em si mesmo, estimou o obstáculo, e esperou. No fim de cinco minutos, reparou que

ao lado, à esquerda, ao pé do tílburi, ficava a casa da cartomante, a quem Rita

consultara uma vez, e nunca ele desejou tanto crer na lição das cartas. Olhou, viu as

janelas fechadas, quando todas as outras estavam abertas e pejadas de curiosos do

incidente da rua. Dir-se-ia a morada do indiferente Destino.

Camilo reclinou-se no tílburi, para não ver nada.