(Empurra-os meigamente e fecha a porta atrás deles. Senta-se no sofá; pega num bordado, dá alguns pontos, mas logo pára) Não! (Atira o bordado, ergue-se, vai à porta da entrada e grita) Helena! traga-me a árvore. (Aproxima-se da mesa da esquerda e abre a gaveta; depois estaca) Não, é absolutamente impossível!
A Criada
(trazendo a árvore de Natal) Onde a coloco, senhora?
Nora
Ali; no meio da sala.
A Criada
A senhora precisa de mais alguma coisa?
Nora
Não, obrigada; tenho tudo aqui. (Deixando a árvore de Natal, a criada sai)
Nora
(ornamentando a árvore) Aqui, devem ficar umas velas... ali, os adornos... Que homem mau! Tolice! Tolice! Isso tudo não tem importância. – Há de ficar linda a árvore de Natal. Quero fazer tudo o que te traz alegria, Torvald; dançarei para você, cantarei...
Helmer
(entra com uma pasta cheia de documentos sob o braço)
Nora
Ah! Você já voltou!
Helmer
Já. Veio alguém?
Nora
Aqui em casa, não.
Helmer
É estranho. Vi Krogstad sair do prédio.
Nora
Ah, sim, Krogstad me fez uma breve visita.
Helmer
Nora, posso ver pela sua expressão que ele lhe pediu para interceder em seu favor.
Nora
Foi.
Helmer
E você tencionava fazer com que esse pedido parecesse uma idéia sua. Eu não devia saber da visita dele. Não foi o que ele pediu?
Nora
Foi, Torvald, mas...
Helmer
Nora, Nora! Como você se presta a esse tipo de coisa? Dar ouvidos a um homem como esse e comprometer-se com ele! E, ainda por cima, mentir para mim!
Nora
Mentir?
Helmer
Então você não me disse que ninguém tinha vindo aqui? (Ameaçando-a com o dedo) Não faça mais isso, minha ave canora. Uma ave canora deve ter o bico limpo para gorjear; e nada de notas desafinadas. (Passa-lhe o braço pela cintura) Não é verdade?... Eu sabia que era. (Solta-a) E agora, nem mais uma palavra sobre o assunto. (Senta-se junto da estufa) Como está quente e acolhedor aqui! (Folheia os papéis)
Nora
(ocupa-se guarnecendo a árvore. Após um breve silêncio) Torvald!
Helmer
Sim.
Nora
Estou terrivelmente feliz pelo baile a fantasia que os Stenborg vão dar depois de amanhã.
Helmer
E eu terrivelmente curioso em ver a surpresa que você me prepara.
Nora
Ah, essa história boba!
Helmer
O quê?
Nora
Não sou capaz de encontrar algo que dê certo; tudo é tão tolo e insignificante.
Helmer
Ah, então a minha pequena Nora chegou a essa conclusão?
Nora
(por detrás do cadeira do marido, com a mão no encosto) Você está muito atarefado, Torvald?
Helmer
Estou...
Nora
Que papéis são esses?
Helmer
Negócios do banco.
Nora
Já?
Helmer
Solicitei dos antigos diretores plenos poderes para empreender as mudanças necessárias no pessoal e nos negócios. Vou empregar a semana do Natal nesse trabalho. Quero ter tudo em ordem para o princípio do ano.
Nora
Então foi por isso que o pobre Krogstad...
Helmer
Hum!...
Nora
(curva-se um pouco para a frente e passa a mão pelos cabelos de Helmer) Se você não estivesse tão ocupado eu lhe pediria um enorme favor, Torvald.
Helmer
Vamos ver. O que é?
Nora
Ninguém tem mais bom gosto que você, e eu queria me apresentar bem no baile... Você não poderia se ocupar um pouquinho comigo e ajudar a escolher a minha fantasia?
Helmer
A-há! A minha mulherzinha obstinada está em dificuldades e quer que alguém a socorra?
Nora
É verdade, Torvald, nada posso resolver sem você.
Helmer
Bem, bem; pensaremos nisso, e decerto encontraremos alguma coisa.
Nora
Ah? como você é amável! (Volta à árvore de Natal. Silêncio) Como estas flores vermelhas ficam lindas! Torvald, o que Krogstad fez foi tão terrível assim?
Helmer
Falsificou assinaturas. Você compreende o que isso significa?
Nora
Não teria sido levado a isso pela necessidade?
Helmer
Pode ser... ou, como tantos outros, por simples imprudência. E eu não sou tão cruel a ponto de condenar um homem por um único deslize.
Nora
Você não faria isso, não é, Torvald?
Helmer
Muitos homens se reabilitam moralmente, mas para isso é preciso que confessem sem rodeios seu crime e que aceitem a punição.
Nora
A punição?
Helmer
Mas Krogstad não quis seguir esse caminho. Procurou escapar da situação recorrendo a diversos expedientes e à habilidade; foi o que o arruinou.
Nora
Então você acredita que...
Helmer
Ora, imagine como, depois de um delito desses, o indivíduo tem de passar a mentir e a ser hipócrita todo o tempo. Ele é obrigado a dissimular até com os que lhe são mais próximos e caros: a esposa e os filhos. Sim, até com os filhos... e isso é o mais terrível, Nora.
Nora
Por quê?
Helmer
Porque uma atmosfera mentirosa contagia e envenena a vida daquele lar.
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