De cada vez que os filhos respiram naquela casa, absorvem os germes do mal.
Nora
(aproximando-se) Tem certeza disso?
Helmer
Como advogado já vi isso muitas vezes, querida. Quase todos os jovens que se voltaram para o crime tiveram mães mentirosas.
Nora
E por que exatamente mães?
Helmer
Quase sempre a falha é da mãe, mas, é claro, o pai pode influir no mesmo sentido. Todos os advogados reconhecem isso. E certamente esse sujeito, Krogstad, durante anos vem envenenando os próprios filhos com mentiras e dissimulação. Por isso eu o considero um homem moralmente perdido. (Estende-lhe a mão) E por isso a minha pequena e querida Nora precisa prometer não interceder mais em seu favor. Dê-me a sua palavra. Mas o que é isso? Estenda-me a mão. Assim. Está decidido. Afirmo-lhe que me seria impossível trabalhar com ele. Sinto, literalmente, um mal-estar físico junto de pessoas assim.
Nora
(retira a mão e vai se colocar do outro lado da árvore) Como está quente aqui! Além disso eu tenho ainda muita coisa para fazer.
Helmer
(levanta-se e reúne os papéis) Sim, eu também. Tenho de examinar isto antes do almoço. Depois pensarei em sua fantasia. Pode ser que eu também tenha qualquer coisa para dependurar na árvore, num papel dourado. (Coloca-lhe a mão sobre a cabeça) Oh! minha querida avezinha canora! (Entra no escritório e fecha a porta)
Nora
(baixo, após um breve silêncio) Ah! não pode ser. Isso não é possível. Não pode ser possível!
Babá
(à porta da esquerda) As crianças querem entrar para ficar com a senhora; estão pedindo de um modo tão engraçadinho!
Nora
Não, não, não, não os quero aqui. Fique com elas, Anna-Maria.
Babá
Está certo, senhora. (Fecha aporta)
Nora
(pálida de pavor) Perverter os meus filhinhos!... Envenenar o meu lar!... (Breve silêncio, ergue afronte) Não é verdade! Não pode ser verdade. Nunca, nunca!
SEGUNDO ATO
Mesma cena. A árvore de Natal desnudada e desgrenhada com os cepos das velas queimadas está à um canto, junto do piano. Sobre o sofá, ao acaso, o chapéu e a capa de Nora. Nora, sozinha, anda de um lado para o outro, agitada; por fim detém-se junto do sofá e pega a capa
Nora
(largando a capa) Chegou alguém!... (Dirige-se à porta e põe o ouvido à escuta) Não, não é ninguém. Não, não; ainda não é para hoje, dia de Natal; para amanhã também não... Mas, quem sabe...? (Abre a porta e olha para fora) Nada; a caixa de correspondência está vazia. (Vem para a frente) Que besteira! Aquela ameaça não era a sério! Tal coisa não pode acontecer...
1 comment