Além disso tinha meus dois irmãos menores para sustentar. Não me restou outra alternativa quando ele me pediu em casamento.
Nora
Claro. Estou certa de que você procedeu bem. Nesse tempo ele era rico, não?
Senhora Linde
Creio que estava bem de vida. Mas seu negócio não era sólido. Com a morte dele tudo se desintegrou, não sobrou nada.
Nora
E depois?
Senhora Linde
Tive de me livrar das dificuldades recorrendo a pequenos serviços, dando aulas, e tudo mais que aparecia. Enfim, esses três últimos anos foram para mim um longo dia de trabalho sem descanso. Agora acabou-se, Nora. Minha pobre mãe já não precisa de mim: morreu; e os dois meninos também não: estão empregados, já podem se manter sozinhos.
Nora
Como você deve se sentir aliviada!
Senhora Linde
Engano seu, Nora; o que sinto é um vazio insuportável. Não ter mais nada por que viver!... (Ergue-se inquieta) De modo que não pude continuar sozinha naquele canto insulado. Aqui deve ser mais fácil a gente encontrar uma ocupação, distrair o pensamento. Se eu tiver sorte de arrumar um emprego, um trabalho de escritório...
Nora
Mas que idéia! É tão fatigante! E você precisa tanto de repouso! Melhor seria se você pudesse tirar umas férias.
Senhora Linde
(aproximando-se da janela) Eu não tenho um pai que me pague a viagem, Nora.
Nora
(erguendo-se) Ah, não se zangue comigo.
Senhora Linde
(indo até ela) Você, querida Nora, é que deve me desculpar. A pior coisa que existe numa situação como a minha é que as amarguras se acumulam na alma da gente. Não ter ninguém por quem trabalhar, e, contudo, não conseguir relaxar. Enfim, é necessário viver!... Então a gente se torna egoísta. Como agora, por exemplo: enquanto a ouvia falar sobre sua boa sorte fiquei mais satisfeita por mim mesma do que por você.
Nora
Quê? Ah!... sim, compreendo. Veio-lhe a idéia de que Torvald lhe poderia ser útil.
Senhora Linde
Sim, foi isso que pensei comigo.
Nora
E há de sê-lo, Kristina, deixe comigo. Vou preparar o terreno com muita delicadeza; inventarei algo para cativá-lo, que o deixe bem-humorado. Ah, gostaria tanto de ajudá-la!
Senhora Linde
Como é bonito da sua parte Nora, mostrar tanto empenho... você, que conhece tão pouco as misérias e as contrariedades da vida.
Nora
Eu?... Você acha?
Senhora Linde
(sorrindo) Ora, afinal foram só umas costurinhas e outras coisas do gênero. Você é uma criança, Nora.
Nora
(meneando a cabeça e atravessando a cena) Não seja tão superior.
Senhora Linde
Como?
Nora
Você é como os outros. Todos julgam que não sirvo para nada sério...
Senhora Linde
E então...
Nora
Que não tenho nenhuma experiência do lado difícil da vida...
Senhora Linde
Mas, minha querida Nora, você mesma acaba de me descrever todas as suas dificuldades...
Nora
Ora!... essas bagatelas!... (Em voz baixa) Não lhe contei o principal.
Senhora Linde
Que principal? O que você quer dizer?
Nora
Você também me trata do alto da sua grandeza, Kristina, mas não devia fazer isso. Você se orgulha por ter trabalhado durante tanto tempo e com tanta dedicação por sua mãe.
Senhora Linde
Não trato ninguém do alto da minha grandeza; mas, é verdade que me sinto feliz e altiva ao lembrar-me que, devido a mim, os últimos dias de minha mãe foram serenos.
Nora
E também sente orgulho pelo que fez pelos seus irmãos.
Senhora Linde
Parece-me que tenho todo direito em sentir.
Nora
É também o que penso. Agora vou lhe contar uma coisa, Kristina.
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