"Algum tempo depois fui a outros bailes e ao teatro, por-
que minha mãe, que guardara a minha infância, como um ava-
ro esconde o seu tesouro, queria fazer brilhar a minha moci-
dade.
"Quando cedia ao seu pedido e me ia aprontar, enquanto
preparava o meu simples traje, murmurava: -- Talvez ele
esteja.
"E esta lembrança, não só me tornava alegre, mas fazia
com que procurasse parecer bela, para te merecer um primeiro
olhar.
"Ultimamente era eu quem, cedendo a um sentimento que
não sabia explicar, pedia a minha mãe para irmos a um diver-
timento, só na esperança de encontrar-te.
"Nem suspeitavas então que, entre todos aqueles vultos
indiferentes, havia um olhar que te seguia sempre e um co-
ração que adivinhava os teus pensamentos, que se expandia
quando te via sorrir e contraía-se quando uma sombra de
melancolia anuviava o teu semblante.
"Se pronunciavam o teu nome diante de mim, corava e
na minha perturbação julgava que tinham lido esse nome nos
meus olhos ou dentro de minh'alma, onde eu bem sabia que
ele estava escrito.
"E, entretanto, nem sequer ainda me tinhas visto; se teus
olhos haviam passado alguma vez por mim, tinha sido em um
desses momentos em que a luz se volta para o íntimo, e se
olha, mas não se vê.
"Consolava-me, porém, que algum dia o acaso nos reu-
niria, e então não sei o que me dizia que era impossível não
me amares.
"O acaso deu-se, mas quando a minha existência já se
tinha completamente transformado.
"Ao sair de um desses bailes, apanhei uma pequena cons-
tipação, de que não fiz caso. Minha mãe teimava que eu esta-
va doente, e eu achava-me apenas um pouco pálida e sentia às
vezes um ligeiro calafrio, que eu curava, sentando-me ao piano
e tocando alguma música de bravura.
"Um dia, porém, achei-me mais abatida; tinha as mãos
e os lábios ardentes, a respiração era difícil, e ao menor esfor-
ço umedecia-se-me a pele com uma transpiração que me parecia
gelada.
"Atirei-me sobre um sofá e, com a cabeça recostada ao
colo de minha mãe, caí em um letargo que não sei quanto
tempo durou. Lembro-me somente que, no momento mesmo
em que ia despertando dessa sonolência que se apoderara de
mim, vi minha mãe, sentada à cabeceira de meu leito, cho-
rando, e um homem dizia-lhe algumas palavras de consolo,
que eu ouvi como em sonho:
"-- Não desespere, minha senhora; a ciência não é infa-
livel, nem os meus diagnósticos são sentenças irrevogáveis.
Pode ser que a natureza e as viagens a salvem. Mas é preciso
não perder tempo.
"O homem partiu.
"Não tinha compreendido as suas palavras, às quais não
ligava o menor sentido.
"Passando um instante, ergui tranqüilamente os olhos pa-
ra minha mãe, que escondeu o lenço e tragou em silêncio o
seu pranto e os seus soluços.
"-- Tu choras, mamãe?
"-- Não, minha filha... não... não é nada.
"-- Mas tu estás com os olhos cheios de lágrimas!...
disse eu assustada.
"-- Ah! sim!... uma notícia triste que me contaram há
pouco... sobre uma pessoa... que tu não conheces.
"-- Quem é este senhor que estava aqui?
"-- É o Dr. Valadão, que te veio visitar.
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