Oh! o horror! salve-me! salve-me!”
Abri o grupo dos agentes, fui ver Praxedes. Estava cor de cera, com a cabeça fendida e os lábios coagulados de sangue roxo. E o olhar vítreo, a mão recurva, assim, sob a luz da madrugada, pareciam seguir ainda e acompanhar o mal a que o impelira a sua bola de aço.
Esse record de emoção desesperada prostrou-me. Nunca vi sentir tão vertiginosamente.
O carro parara. O barão saltou, subiu de vagar as escadas de mármore, enquanto no interior do palacete retiniam campainhas elétricas.
— Preciso sentir vendo os outros sentir, fez mirando-se no alto espelho do vestiário. Só assim tenho emoções. Garanto-te que o Osvaldo acaba como o chinês de Macau, mas por outro meio —com a morfina talvez. Só os chineses morrem às cabeçadas por sentir demais !
E fomos jantar tranquilamente na sua mesa florida de cravos e anêmonas brancas.
História de gente alegre
O terraço era admirável. A casa toda parecia mesmo ali pousada à beira dos horizontes sem fim como para admira-los, e a luz dos pavimentos térreos, a iluminação dos salões de cima contrastava violenta com o macio esmaecer da tarde. Estávamos no Smart-Club, estávamos ambos no terraço do Smart-Club, esse maravilhoso terraço de vila do Estoril, dominando um lindo sítio da praia do Russel — as avenidas largas, o mar, a linha ardente do cais e o céu que tinha luminosidades polidas de faiança persa. Eram sete horas. Com o ardente verão ninguém tinha vontade de jantar. Tomava-se um aperitivo qualquer, embebendo os olhos na beleza confusa das cores do ocaso e no banho viride{19} de todo aquele verde em de redor. As salas lá em cima estavam vazias; a grande mesa de baccarat{20}, onde algumas pequenas e alguns pequenos derretiam notas do banco — a descansar. O soalho envernizado brilhava. Os divãs{21} modorravam em fila encostados às paredes — os divãs que nesses clubes não têm muito trabalho. Os criados, vindos todos de Buenos-Aires e de S. Paulo, criados italianos marca registrada como a melhor em Londres, no Cairo, em New York, empertigavam-se. E a viração era tão macia, um cheiro de salsugem{22} polvilhava a atmosfera tão levemente, que a vontade era de ficar ali muito tempo, sem fazer nada.
Mas a noite já estendia o seu negro brocado picado de estrelas e no plein-air do terraço começavam a chegar os smart-dinners. Que curioso aspecto! Havia franceses condecorados, de gestos vulgares, ingleses de smoking e parasita à lapela, americanos de casaca e também de brim branco com sapatos de jogar o foot-ball e o lawn-tennis{23}, os elegantes cariocas com risos artificiais, risos postiços, gestos a contragosto do corpo, todos bonecos vítimas da diversão chantecler, os noceurs{24} habituais, e os michés{25} ricos ou jogadores, cuja primeira refeição deve ser o jantar, e que apareciam de olheiras, a voz pastosa, pensando no bac-chemin-de-fer{26}, no 9 de cara e nos pedidos do último béguin{27}. O prédio, mais uma “vila” da bacia do Mediterrâneo, ardia na noite serena, parecia a miragem dos astros do alto; as toalhas brancas, os cristais, os baldes de christofle{28} tinham reflexos. Por sobre as mesas corria como uma farândola{29} fantasista de pequenas velas com capuchons{30} coloridos, e vinha de cima uma valsa lânguida, uma dessas valsas de lento enebriar, que adejam vôos de mariposas e têm fermatas que parecem espasmos. No meio daquela roda de homens, que se cumprimentavam rápidos, dizendo apenas as últimas sílabas das palavras: — B’jour, Plo... deus! goo, iam chegando as cocottes{31}, as modernas Aspásias{32} da insignificância. Algumas vinham a arrastar vestidos de cinco mil francos; outras tinham atitudes simplistas dos primitivos italianos. Havia na sombra do terraço, um desfilar de figuras que lembravam Rossetti e Heleu, Mirande e Herman-Paul, Capielo e Sem, Julião e também Abel Faivre, porque havia cocottes gordas, muito gordas e pintadas, ajaezadas de jóias, suando e praguejando. Falavam todas línguas estrangeiras — o espanhol, o francês, o italiano, até o alemão com o predomínio do parigot, do argot, da langue verte{33}. Só se falava mesmo calão de boulevard{34}. Fora, à entrada, paravam as lanternas carbunculantes{35} dos autos, havia fonfons roucos, arrancos bruscos de máquinas H. P.
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