Só quinhentos, só quinhentos!”
Era a alucinação. Corri-o, e esperei ansioso como quem espera o final de uma tragédia, porque tinha a certeza do paroxismo daquele vício. Afinal há de haver seis meses, antes do meu encontro com o Osvaldo, li, na cama, às 3 da manhã, este bilhete desesperado “Venha. Praxedes matou-se. Estou sem ninguém. Acuda-me. — Clô”.
Ai ! menino, não sei o que senti. A minha vontade era ver, era saber, era acabar logo. Precipitei-me. Quando cheguei, às voltas com a polícia que queria levar o corpo para o Necrotério, Clotilde, desgrenhada, com os lábios em sangue, caiu nos meus braços. — “Então, como foi isso?” — “Sei lá como foi! Tinha que ser! A desgraça! Estava doido. Hipotecou a mobília, os juros eram semanais. Não arranjei dinheiro e o judeu levou-a. Dormi no chão. Ontem não apareceu. Hoje estava eu a dormir quando o senti que caminhava. Risquei o fósforo. Era ele, lívido, embrulhando a casaca do casamento. Não sei o que me deu. — “Onde vais?” — “Vou ver se arranjo uns cobres, respondeu. Preciso jogar, sinto uma ânsia, não posso mais.” — “Estás doido!” — Não estou, Clô, não estou, fez ele arregalando os olhos. Eu fui cruel: olha que se vendes a casaca ficas sem roupa para o enterro. Ele parou. “Para o enterro? para o meu enterro? É melhor mesmo, é melhor mesmo, eu não posso mais !” E, de repente. desesperado, começou a bater com a cabeça pelas paredes. Praxedes ! Praxedes ! Não faças isso! Praxedes! Gritei, solucei. Qual! Cada vez arrumava o crânio com mais força de encontro às quinas das portas. O som, ah! esse som como me ensandece! Ainda o ouço ! E ele todo em sangue, todo em sangue... Agarrei-o. Arrastou-me até à janela, voltou-se, deixou-se cair em cheio com a nuca na sacada, esticou o pescoço desesperadamente e rodou...
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