— “Impossível! impossível!”, murmurava ele.

Pediu-me dinheiro, dei-o, pediu a outros, deram-lho. Pediu mais — deixou de ser o dom Praxedes, recebeu recusas brutais. Acabou não voltando mais ao clube. Eu, porém, sentia-o em outros antros, definitivamente preso à sua cruz de horror, à cruz que cada homem tem de carregar na vida...

Certa noite, meses depois, encontrei-o numa batota{13} da rua da Ajuda, com o fato enrugado e a gravata de lado. Correu para mim, “Foi Deus que o trouxe. Estou farto de peruar{14}. Isto de mirone{15} não me serve. Empreste-me cinquenta mil réis para arrumar tudo no 00. Ah ! está dando hoje escandalosamente. Faremos uma vaca{16}? Vai dar pela certa.”

Agarrou a nota como um desesperado, precipitou-se na roda que cercava o tableau da direita: “Tenho aqui cinquentão; esperem!” E caiu por cima dos outros, com o braço esticado.

O duble-zero falhou. Ele voltou cínico: “É preciso insistir; deixe ver mais algum. Não dá? Olhe, escute aqui, hipoteco-lhe uma mobília de quarto, serve?”

Compreendi então a descabida vertigem daquela queda. Tive pena. Arrastei-o quase à força para a rua, fi-lo contar-me a vida. Estava desempregado, abandonara o emprego, vendera o mobiliário, as jóias da Clô, os vestidos, as roupas, mudara-se para uma casa menor e alugara a sala da frente. A cábula{17}, a má sorte, a guigne perseguiam-no, e, pendido ao meu braço o miserável soluçava: “— Havemos de melhorar, empreste-me algum. estou sem níquel !”

Deixei-o sem níquel, mas fui ao outro dia ver a Clotilde, uma flor de beleza, com os olhos vermelhos de chorar e as roupas já estragadas. Ia sair, arranjar dinheiro... — “E seu marido?” — “Meu marido está perdido. Anda por aí a jogar. Há dois dias não o vejo; hoje não comi...” — “Abandone-o!” — “Abandona-lo eu? E a sociedade, e ele? Que seria dele?” — “Ora, ele!” — “Ele ama-me, ama-me como dantes. Mas que quer? Veio-lhe a desgraça. Às vezes brigo, mas ele diz-me : Ai ! Clô, que hei de fazer? É uma força, uma força que me puxa os músculos. Parece que desenrolaram uma bola de aço dentro de mim, tenho de jogar. E cai em prantos, por aí, tão triste, tão triste que até lhe vou arranjar dinheiro, que saio a pedir...”

É espantoso, pois não? O homem tinha uma bola de aço e a fidelidade da mulher! Só esses seres especiais conseguem coisas tão difíceis!

Um instante o barão calou-se. O coupé rolava pela praia, e a noite, caindo, desdobrava por sobre o mar a talagarça{18} fuliginosa das primeiras sombras.

— Respeitei a Clotilde, por sistema, já assustado com as proporções emocionais do marido. Ao outro dia, porém, Praxedes. com sorrisinhos equívocos na face escaveirada: “Esteve com a Clô, hein? Conservada apesar da desgraça, a minha mulherzinha, pois não?...” Recuei assombrado. Aquele homem bom, digno no fundo, aquele homem que amava a mulher, para arranjar dinheiro .com que satisfazer as cartas e a roleta, mercadejava-a aberta, cínica, despejadamente. — “Que queres tu? indaguei áspero, tem vergonha, vai, some-te!”

— “Eu hipoteco uma mobília.