— Que culpa tenho de ser feia, ou dos homens me acharem feia? Cada qual como Deus o fez.

— Nesse caso, se é inútil, se não tem o que fazer, se está sem emprego, a senhora não passa dum Arcaísmo cujo lugar não é aqui e sim nos subúrbios. Está tomando o espaço de outras.

— Não seja tão sabida, bonequinha! Eu há muito que moro nos subúrbios, e se vim passear hoje aqui foi apenas para matar saudades. Esta casa não é minha.

— De quem é então?

— Duma diaba que veio de Galópolis e anda mais chamada que uma telefonista — uma tal Odete. Volta e meia sai daqui correndo, a batizar meninas. Mas minha vingança é que está ficando magra que nem bacalhau de porta de venda, de tanto corre-corre.

— Está aí dentro, essa palavra?

— Aqui dentro, nada! Não pára em casa um minuto. Inda agora recebeu chamado para batizar uma menina em Itaoca. Tomara que seja uma negrinha preta que nem carvão. . .

Enquanto Emília conversava com aquele Nome sem serviço, Pedrinho ia atentando na soberbia dos Nomes indicativos de países e continentes. O Nome Europa era o mais empavesado de todos: louro, e dum orgulho infinito. Passou rente ao Nome América e torceu o nariz. Também o Nome Alemanha era emproadíssimo, embora andasse com uma cruz de ponto falso no nariz.

— Estes Nomes Próprios — explicou Quindim — têm a seu serviço essa infinidade de Nomes COMUNS que formigam pelas ruas. Os Nomes Comuns formam a plebe, o povo, o operariado, e têm a obrigação de designar cada coisa que existe, por mais insignificante que seja. Qual será a coisa mais insignificante do mundo?

— Cuspo de micróbio — gritou Emília.

— Realmente, bonequinha, cuspo de micróbio deve ser a coisa mais insignificante do mundo. Pois mesmo assim há necessidade de dois Nomes Comuns para a designar. Imaginem agora a humildade desses dois Nomes quando passam perto do Nome Próprio Deus, por exemplo, ou Ouro, que são dos mais graduados!

— Com certeza deitam-se no chão e viram tapete para que Deus e Ouro lhes pisem em cima — observou Emília.

Entre a multidão de Nomes que enxameavam naquela rua, os meninos notaram outras diferenças. Uns pertenciam à classe dos Nomes CONCRETOS e outros à classe dos Nomes ABSTRATOS. Havia ainda os Nomes SIMPLES e os Nomes COMPOSTOS. Quindim foi explicando a diferença.

— Os Nomes Concretos são os que marcam coisas ou criaturas que existem mesmo de verdade, como Homem, Nastácia, Tatu, Cebola. E

os Nomes Abstratos são os que marcam coisas que a gente quer que existam, ou imagina que existem, como Bondade, Lealdade, Justiça, Amor.

— E também Dinheiro — sugeriu Emília.