Os meninos ficaram por ali ainda algum tempo, conversando com outras palavras da Gíria — e por precaução Pedrinho abotoou o paletó, embora seu paletó nem bolso de dentro tivesse. A gíria dos gatunos metia-lhe medo. . .

— Por estes subúrbios também vagabundeiam palavras de outro tipo, malvistas lá em cima — disse o rinoceronte apontando para uma palavra loura, visivelmente estrangeira, que naquele momento ia passando. — São palavras exóticas, isto é, de fora — imigrantes a que os gramáticos puseram o nome geral de BARBARISMOS.

— Querem significar com isso que elas dizem barbaridades? —

indagou Emília.

— Não; apenas que são de fora. Este modo de classificá-las veio dos romanos, que consideravam bárbaros a todos os estrangeiros. Barbarismo quer dizer coisa de estrangeiro. Se o Barbarismo vem da França tem o nome especial de GALICISMO; se vem da Inglaterra, chamase ANGLICISMO; se vem da Itália, ITALIANISMO — e assim por diante. Os Galicismos são muito maltratados nesta cidade. As palavras nascidas aqui torcem-lhes o focinho e os "grilos"3 da língua (os gramáticos), implicam muito com eles. Certos críticos chegam a considerar crime de cadeia a entrada dum Galicismo numa frase. Tratam os coitados como se fossem leprosos. Aí vem um.

O Galicismo Desolado vinha vindo, muito triste, de bico pendurado. Quindim apontou-o com o chifre, dizendo:

— Se você algum dia virar poeta, Pedrinho, e cair na asneira de

3 Grilos: como são chamados em São Paulo os guardas policiais das ruas.

botar num soneto este pobre Galicismo, os críticos xingarão você de mil nomes feios. Desolado é o que eles consideram um Galicismo imperdoável. Já aquele outro que lá vem goza de maior consideração. É

a palavra francesa Elite, que quer dizer a nata, a fina flor da sociedade. Veja como é petulantezinha, com o seu monóculo no olho.

— Elite tem licença de morar no centro da cidade? — perguntou o menino.

— Não tinha, mas hoje tem. Já está praticamente naturalizada. Durante muito tempo, entretanto, só podia aparecer por lá metida entre ASPAS, OU em GRIFO.

— Que é isso?

— Aspas e Grifo são os sinais que elas têm de trazer sempre que se metem no meio das palavras nativas. Na cidade das palavras inglesas não é assim — as palavras de fora gozam lá de livre trânsito, podendo apresentar-se sem aspas e sem grifo. Mas aqui nesta nossa Portugália há muito rigor nesse ponto.