Você foi instruída e refinada por livros e pelo afastamento do mundo e, portanto, é de certa forma exigente; mas isso só a torna mais propensa a apreciar os extraordinários méritos desse homem maravilhoso. Às vezes, empenho-me em descobrir que qualidade ele possui que o eleva imensuravelmente acima de qualquer outra pessoa que já conheci. Acredito ser um discernimento intuitivo; um ligeiro porém nunca vacilante poder de julgamento; uma capacidade de penetrar nas causas das coisas, inigualada pela clareza e precisão; acrescente a isso a facilidade de expressão e uma voz cujas entonações variadas são música para suavizar a alma.

19 de agosto de 17–

Ontem o estranho me disse:

– Você pode facilmente notar, capitão Walton, que sofri infortúnios sem paralelo. Havia decidido em certa ocasião que a lembrança desses males deveria morrer comigo, mas você conseguiu alterar minha determinação. Você busca conhecimento e sabedoria, como outrora eu fiz; e espero ardentemente que a realização de seus desejos não seja a serpente a mordê-lo, como aconteceu comigo. Não sei se o relato de meus desastres lhe será útil; ainda assim, quando reflito que está seguindo o mesmo curso, expondo-se aos mesmos perigos que me tornaram o que sou, imagino que você possa extrair de meu relato uma moral apropriada, que poderá orientá-lo se tiver sucesso em sua empreitada e consolá-lo em caso de fracasso. Prepare-se para ouvir episódios que geralmente são considerados maravilhosos. Caso estivéssemos em um cenário natural mais manso, eu temeria sua descrença, talvez seu escárnio; mas, nestas selvagens e misteriosas regiões, muitas coisas que provocariam o riso de quem se alheia ao poder tão variado da natureza parecerão possíveis; também não posso duvidar que minha história transmita evidência intrínseca da verdade dos fatos que a compõem.

Você pode facilmente imaginar que fiquei muito grato pela oferta de comunicação, ainda assim não pude suportar que ele renovasse sua dor com um recital de seus infortúnios. Senti a maior ânsia em ouvir a narrativa prometida, em parte por curiosidade, em parte por um forte desejo de atenuar o destino dele, caso isso estivesse em meu poder. Expressei esses sentimentos em minha resposta.

– Agradeço a solidariedade – respondeu ele –, mas é inútil; meu destino está quase cumprido. Espero apenas por um acontecimento, então poderei repousar em paz. Entendo seu sentimento – continuou, percebendo que eu desejava interrompê-lo –, mas está enganado, meu amigo, se assim permitir que o chame; nada pode alterar meu destino. Escute minha história e vai perceber quão irrevogavelmente ele está determinado.

Ele então me disse que iniciaria sua narrativa no dia seguinte, quando eu deveria estar de folga. A promessa extraiu de mim o mais caloroso dos agradecimentos. Decidi que, todas as noites, quando não estiver imperativamente ocupado por meus deveres, vou registrar o que ele tiver relatado durante o dia em suas próprias palavras, com o máximo de fidelidade possível. Se eu estiver ocupado, irei ao menos fazer anotações. Esse manuscrito sem dúvida vai lhe proporcionar grande prazer; mas para mim, que o conheço e que escuto de seus próprios lábios, com qual interesse e solidariedade não o lerei em algum dia futuro! Mesmo agora, quando inicio minha tarefa, a voz impostada dele ressoa em meus ouvidos; seus olhos lustrosos habitam em mim com toda a sua melancólica doçura; vejo sua mão delgada se erguer com entusiasmo, enquanto os traços de seu rosto irradiam sua alma. Estranha e angustiante deve ser sua história, temerosa a tempestade que envolveu a galante embarcação em seu curso e a destroçou – ei-la!

CAPÍTULO 1

Sou, por nascimento, genebrês, e minha família é uma das mais distintas dessa república. Meus ancestrais foram por muitos anos conselheiros e magistrados;6 e meu pai desempenhou várias funções públicas com honra e reputação. Era respeitado por todos que o conheciam por sua integridade e infatigável atenção aos negócios públicos. Passou os dias de sua juventude perpetuamente ocupado com os negócios do país; uma variedade de circunstâncias impediu que se casasse cedo, não se tornando marido e pai de família antes de estar no declínio da vida.

Como as condições de seu casamento ilustram sua personalidade, não posso me abster de relatá-las. Um de seus amigos mais íntimos era um mercador que, de um estado promissor, decaiu na pobreza em função de numerosos acidentes. Esse homem, cujo nome era Beaufort, era de natureza orgulhosa e inflexível e não podia suportar viver na pobreza e no esquecimento no mesmo país em que um dia se distinguira por sua posição e magnificência. Tendo pagado suas dívidas, da maneira mais honrada, retirou-se com a filha para a cidade de Lucerna, onde viveu isolado em sua desgraça. Meu pai amava Beaufort com a mais verdadeira amizade e sentiu profundamente seu afastamento nessas infelizes circunstâncias. Deplorou com amargor o falso orgulho que levou o amigo a uma conduta tão pouco digna da afeição que os unia. Não perdeu tempo em empenhar-se em buscá-lo, com a esperança de persuadi-lo a recomeçar a vida por meio de seu crédito e assistência.

Beaufort havia tomado medidas eficazes para se esconder, e meu pai levou dez meses para descobrir seu paradeiro. Regozijado com a descoberta, apressou-se até a casa do amigo, que ficava numa rua torpe perto do rio Reuss. Mas quando entrou, foi recebido pela miséria e o desespero. Beaufort havia salvado da ruína apenas uma soma muito pequena de dinheiro, mas era o suficiente para fornecer sustento por alguns meses, durante os quais ele esperava encontrar algum emprego respeitável como comerciante.