No volume ii, capítulo 13, enquanto Pip espera por Estella, Wemmick leva-o à prisão, na qual encontram “um homem corpulento, empertigado” cujo chapéu tem a superfície “ensebada e gordurenta, como caldo de carne frio” (p. 363). É significativo que, ao falar com esse homem, Wemmick adote, pela primeira e única vez, a fala agressiva de Bucket, personagem de Bleak house, e de Pancks, em Little Dorrit: “‘Não, não’, disse Wemmick, imperturbável, ‘o senhor não se importa’” (p. 364). A função de Bucket e Pancks é resolver os mistérios que envolvem os principais protagonistas, e ambos adquiriram o hábito de pôr palavras na boca dos outros como método de extrair-lhes informações. Também Wemmick faz o possível para obter informações que possam revelar o paradeiro do vilão Compeyson. Mas nisso ele não tem muito sucesso, e há em Grandes esperanças — ao contrário do que ocorre em Bleak house e Little Dorrit — certa consciência de que os mistérios não podem ser resolvidos, ou que só podem ser resolvidos numa catástrofe.

É uma catástrofe, naturalmente, que resolve o mistério da sra. Havisham. Esta personagem, que preserva a si própria e sua casa exatamente como eram no dia em que foi abandonada, é a imagem mais impressionante do estancamento em todo o romance. “Era tão imutável aquela casa velha e poeirenta, a luz amarela no quarto escurecido, a aparição murcha na cadeira diante do espelho da penteadeira, que me dava a impressão de que, quando os relógios foram parados, também o Tempo parara naquele lugar misterioso, e embora fora dela tudo se tornasse mais velho, eu inclusive, ali nada mudava” (p. 189). A sra. Havisham, como observa Susan Walsh, fechou não apenas a si própria mas também a cervejaria do pai, e assim repudiou “o papel do capital econômico e corpóreo da mulher dentro do sistema empresarial da família”.10 Perambulando pelos prédios abandonados, Pip encontra “uma selva de barris vazios, em torno dos quais ainda pairava uma lembrança azeda de dias melhores; mas era azeda demais para ser tomada como amostra da cerveja que não havia mais — e, sob esse aspecto, esses reclusos, assim me pareceu, eram semelhantes à maioria dos reclusos” (p. 110). A proprietária da cervejaria certamente deve ser incluída entre esses “reclusos” que azedaram além da conta. Quando a sra. Havisham, instigada por Pip, ajuda Herbert Pocket a se tornar sócio da firma, ela reassume até certo ponto seu papel de investidora nas empresas da família, e assim dá sua contribuição à circulação do capital. Dickens ainda permite essas reconstruções do processo econômico em pequena escala, mas temos a impressão de que são pequenas demais, e chegam tarde demais.

Há quem afirme que Grandes esperanças exprime uma forte nostalgia pelas certezas sociais e morais da ferraria de Joe Gargery, à qual Pip retorna, no capítulo final, após a derrocada e reconstrução parcial de sua fortuna. Até certo ponto, isso é verdade. Pois o cenário a que Pip retorna oferece nada menos do que a reconstituição da família como meio de compreensão social e moral. No início do romance, somos apresentados a uma família inautêntica e disfuncional: Joe e a sra. Joe, um casal infeliz, que não tem filhos; o órfão Pip, deslocado em qualquer lugar; e o tio Pumblechook, que se autonomeia protetor de Pip, porém abusa dessa função para intimidar o menino e arrogar-se méritos inexistentes. Quando Pip finalmente volta à ferraria, após onze anos no estrangeiro, ele constata que essas posições têm agora, em sua maioria, novos ocupantes.

 

Lá, fumando seu cachimbo no lugar de sempre junto à lareira, saudável e forte como sempre, ainda que um pouco grisalho, estava Joe; e lá, encurralado no canto da cozinha pela perna de Joe, sentado no meu banquinho, olhando para o fogo, estava… eu de novo!

“A gente deu a ele o nome de Pip em tua homenagem, meu velho”, disse Joe, muito contente, quando me sentei em outro banco ao lado do menino (mas não lhe despenteei o cabelo), “e a gente espera que ele fique um pouco como ti quando crescer, e a gente acha que ele vai ficar, sim.”

Eu também pensava assim, e saí para caminhar com ele na manhã seguinte, e conversamos muitíssimo, compreendendo um ao outro à perfeição (p. 651).

 

Joe continua a ser o mesmo de sempre, no lugar de sempre ao pé da lareira. Biddy assumiu o lugar da sra. Joe; seu filho, o de Pip; e Pip, o de Pumblechook. Trata-se, é claro, de um Pumblechook benévolo, que não despenteia o cabelo do sobrinho. A família foi reconstituída. Não é, porém, a família de Pip. Nela ele não desempenha nenhum papel, senão o do benfeitor ocasional.