Horizonte Perdido

 

 

 

Horizonte

Perdido



James Hilton

 

 

 

Horizonte

Perdido

 

 

 

 

Tradução de

Francisco Machado Vila e

Leonel Vallandro

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

PRÓLOGO

 

 

 

 

 

 

 

 

Tinham-se apagado os charutos e começava a apontar em nós aquela espécie de desilusão que de ordinário perturba antigos condiscípulos ao se encontrarem de novo, homens feitos, e descobrirem que já não existe entre eles a mesma afinidade.

Rutherford escrevia novelas. Wyland era secretário de embaixada e convidara-nos a jantar em Tempelhaf. Não mostrara lá muita alegria, mas mantinha aquela equanimidade que o diplomata deve ter sempre à mão para semelhantes ocasiões.

Dir-se-ia que o único ponto de união que nos ligava uns aos outros era o fato de sermos ingleses celibatários, reunidos numa capital estrangeira; quanto a mim, chegara já â conclusão de que nem o tempo nem a Ordem de Vitória tinham apagado em Wyland "Tertius " o leve toque de presunção que lhe conhecera.

Simpatizava mais com Rutherford: era uma bela evolução do menino frágil e precoce que noutro tempo eu maltratava ou protegia alternativamente. E a única emoção que Wyland e eu sentíamos em comum uma pontinha de inveja nascia da idéia de que ele ganhava provavelmente muito mais e devia ter um gênero de vida muito mais interessante do que nós.

Ainda assim, a tarde nada teve de aborrecida. Víamos dali quando aterravam os aparelhos da Lufthansa, vindos de todos os cantos da Europa Central; e no escurecer, à luz dos arcos voltaicos, a cena tinha um magnífico esplendor de teatro. Um dos aviões era inglês e o piloto, passando pela nossa mesa com o seu traje completo de aviador, cumprimentou Wyland, que a principio não o reconheceu. Depois vieram as apresentações, porém, e o estranho foi convidado para a nossa roda.

Era um moço jovial, de agradável presença, chamado Sanders. Wyland desculpou-se: era difícil identificar as pessoas sob o traje e o capacete de aviador. Ao que Sanders, respondeu, rindo:

Sei muito bem disso. Não esqueça que eu estava em Baskul.

Riu também Wyland, mas não tão espontaneamente; e a conversa mudou de rumo.

Sanders revelou-se um bom contingente para o nosso pequeno grupo e ajudou-nos a tomar muita cerveja. Pelas dez horas, Wyland deixou-nos durante alguns minutos, para falar com alguém que se achava numa mesa próxima, e Rutherford, aproveitando o repentino hiato que se abrira na palestra, observou, dirigindo-se a Sanders:

Falou em Baskul. Conheço um pouco o lugar. Que aconteceu lá?

Sanders sorriu, meio contrafeito:

Oh! referia-me apenas a um fato que provocou alguma excitação, quando eu me achava no serviço.

Era, porém, aquele moço dos que não podem guardar segredos, e continuou:

Foi o caso que um afegane, afridi ou o que quer que seja, fugiu com um de nossos aviões. Meteu-nos em maus lençóis, como pode imaginar. Também, nunca vi tamanha desfaçatez! O diabo emboscou-se no caminho do piloto, derrubou-o, tirou-lhe o uniforme e subiu para a direção, sem que ninguém notasse. Deu ao mecânico as ordens certas, decolou e lá se foi voando em grande estilo. Mas o pior é que nunca voltou.

Rutherford parecia interessado.

Quando foi isso?

Oh! haverá, talvez, um ano. . . em maio de trinta e um. Estávamos fazendo evacuar a população civil de Baskul para Peshawar, por causa da revolução. . . Lembra-se, não? Estava tudo em polvorosa; do contrário, penso que isso não poderia ter acontecido. E contudo, aconteceu! Isto prova, até certo ponto, que o hábito faz o monge, não acha?

Ainda com o mesmo interesse, Rutherford observou:

Supunha que nessas ocasiões haveria mais de um homem encarregado de um avião.

E assim é, com todos os transportes comuns de tropas; mas aquele era um aparelho todo especial, construído primitivamente para certo marajá, e tinha um equipamento muito aperfeiçoado. O pessoal do Serviço Topográfico Indiano se servira dele para vôos de grande altura em Caxemira.

E diz o senhor que nunca chegou a Peshawar?

Nunca! E também não desceu em parte alguma, que se saiba. E é isto o mais estranho do caso. Está claro que se o sujeito pertencia a uma tribo nativa, poderia ter voado para as montanhas, com a mira no resgate dos passageiros. Suponho, entretanto, que morreram todos. Há por essa fronteira muitos sítios em que um avião pode despedaçar-se sem que ninguém ouça.