Era um ato simples e grave. E foi o que Estela lhe disse a ele, no dia em que trocaram reciprocamente as primeiras promessas.
— Creio que nenhuma paixão nos cega, e se nos casamos é por nos julgarmos friamente dignos um do outro.
— Uma paixão de sua parte, em relação à minha pessoa, seria inverossímil, confessou Luís Garcia; não lha atribuo. Pelo que me toca, era igualmente inverossímil um sentimento dessa natureza, não porque a senhora o não pudesse inspirar, mas porque eu já o não poderia ter.
— Tanto melhor, concluiu Estela; estamos na mesma situação e vamos começar uma viagem com os olhos abertos e o coração tranqüilo. Parece que em geral os casamentos começam pelo amor e acabam pela estima; nós começamos pela estima; é muito mais seguro.
O casamento foi aprovado pelo Sr. Antunes, com a mesma alma com que um réu sancionaria a própria execução. Não somente se lhe iam embora esperanças muito menos modestas, como lhe repugnava o caráter do genro. Não cedeu sem hesitação e luta; hesitação perante a viúva, luta em relação à filha; mas cedeu, porque ele nascera para não resistir. Hábil, no entanto, em espremer algum lucro dos males inevitáveis, uma vez perdida a confiança na eficácia da recusa, aceitou o acordo, não somente com aparência cordial, mas ainda entusiasta.
— O dote faz-lhe foscas, gemia ele filosoficamente.
A viúva serviu de madrinha a Estela. Sua alegria era sincera, e tanto ou quanto desinteressada. Quase se não lembrava já do perigo que, dois anos antes, lhe atordoara o espírito. As cartas de Jorge eram tão livres de qualquer opressão, tão exclusivamente militares! Além disso, a consciência ficava satisfeita de um desenlace que de certo modo compensava a perda, se alguma perda havia causado a Estela. Finalmente, a satisfação com que a viu aceitar casamento, aliás sugerido por ela própria, e a felicidade de que foi testemunha durante os primeiros tempos, deram-lhe a convicção de que a moça estava já inteiramente isenta, em relação ao filho. Não obstante a paixão deste, tinha fé que o tempo fizera a sua obra.
CAPÍTULO VII
Três meses depois da chegada ao Rio de Janeiro, tinha Jorge liquidado todos os negócios de família. Os haveres herdados podiam dispensá-lo de advogar ou de seguir qualquer outra profissão, uma vez que não fosse ambicioso e regesse com critério o uso de suas rendas. Tinha as qualidades precisas para isso, umas naturais, outras obtidas com o tempo. Os quatro anos de guerra, de mãos dadas com os sucessos imediatamente anteriores, fizeram-lhe perder certas preocupações que eram, em 1866, as únicas de seu espírito. A vida à rédea solta, o desperdício elegante, todas as seduções juvenis eram inteiramente passadas.
O espetáculo da guerra, que não raro engendra o orgulho, produziu em Jorge uma ação contrária, porque ele viu, ao lado da justa glória de seu país, o irremediável conflito das coisas humanas. Pela primeira vez meditou; admirou-se de achar em si uma fonte de idéias e sensações, que nunca lhe deram os receios de outro tempo. Contudo, não se pode dizer que viera filósofo. Era um homem, apenas, cuja consciência reta e cândida sobrevivera às preocupações da primeira quadra, cujo espírito, temperado pela vida intensa de uma longa campanha, começa de penetrar um pouco abaixo da superfície das coisas.
Querendo adotar um plano de vida nova, renegou a princípio todos os hábitos anteriores, disposto a dar à sociedade tão-somente a estrita polidez. Teve primeiro idéia de ir estabelecer-se em algum recanto silencioso e escuso no interior; mas desistiu logo, cedendo à necessidade de ficar mais à mão de uma viagem transatlântica, idéia a que aliás nunca deu princípio de execução.
Os primeiros três meses passaram depressa; foram empregados em liquidar o inventário. Poucos legados deixara a viúva. Um deles interessa-nos, porque recaiu em favor de Iaiá Garcia. A viúva beneficiava assim, diretamente, o marido de Estela. Jorge aprovou cordialmente o ato de sua mãe. Não aprovou menos o dote de Estela, mas o sentimento do vexame que experimentou, logo que dele teve notícia, honrava a delicadeza de seu coração.
Luís Garcia dera-se pressa em visitar o filho de Valéria. A entrevista desses dois homens, que o curso dos sucessos colocara em tão delicada situação, foi cordial, mas não expansiva. Jorge não achou Luís Garcia mais velho; era o mesmo. Não o achou também menos reservado que antes. A conversa, em começo não foi além dos fatos gerais; falaram da guerra e das vitórias.
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