Jorge referiu alguns episódios, que o outro ouviu com interesse; e, como parecesse olvidar seus próprios feitos:
— Vejo que é modesto, observou Luís Garcia; felizmente lemos as folhas e as partes oficiais.
— Fiz o que pude, respondeu Jorge; era preciso vencer ou ser vencido. Que é feito de tanta gente que ainda não vi? continuou ele para desviar o assunto.
— Cada qual segue o seu destino. Meu sogro creio que já o visitou. . .
— Já.
— A propósito, deixe-me agradecer os benefícios que devo a sua mãe...
Jorge quis interrompê-lo com o gesto.
— Perdão; é meu dever, continuou Luís Garcia gravemente. A Sra. D. Valéria quis mostrar ainda à última hora a simpatia que sempre lhe mereci. Duas vezes o fez, além de outras. Primeiramente, resolveu-me a casar outra vez, coisa que estava longe de meus cálculos. Foi ela a primeira autora dessa transformação de minha vida, e em boa hora o foi, porque não me podia fazer maior obséquio. Requintou o obséquio, ocultando até a última hora a prova de ternura que desde alguns meses antes dera a minha mulher; tinha-a dotado, como deve saber...
Jorge fez um gesto afirmativo.
— Achou que não era bastante e deixou a minha filha um legado, que será o seu dote... Gostava muito dela. Não podendo agradecê-lo à benfeitora, permita que o agradeça ao...
— Desta vez há de obedecer-me, interrompeu Jorge com brandura; falemos de outra coisa.
— Sim; falemos de minha mulher. Saiba que rematou dignamente a obra de sua mãe; e mais uma vez me fez compreender o benefício do casamento. Logo depois de casado, propôs-me aceitar, em favor de minha filha, a parte com que a Sra. D. Valéria lhe manifestara sua afeição. Gostei de a ouvir, porque era sinal de desinteresse, mas recusei, e recusei sem eficácia. Cedi, enfim; e não podia ser de outro modo. Folgo de lhe dizer essas coisas porque são raras...
Jorge fechou o rosto ao ouvir essas palavras de Luís Garcia. Adivinhara a causa do desinteresse de Estela. — Eterno orgulho! pensou ele. Depois refletiu no caso e perguntou a si mesmo se a moça teria confiado ao marido alguma coisa do que se passara entre eles. Era difícil percebê-lo, mas não era acertado supô-lo. Nenhuma mulher o faria nunca. Estela menos que nenhuma outra. Interrogou o rosto de Luís Garcia; achou-o plácido e imóvel. Após alguns segundos de silêncio, estendeu-lhe a mão.
— Permite-me então que o felicite? disse ele.
— De coração, acudiu Luís Garcia. E depois de erguer-se: — Se eu tivesse o sestro de dar conselhos, dir-lhe-ia que se casasse.
— Pode ser.
— Não lhe pergunto pela outra paixão; creio que a esqueceu de todo.
— De todo.
Luís Garcia apertou-lhe cordialmente a mão e saiu, depois de lhe oferecer a casa.
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