Confiado em si mesmo, Jorge tremia diante da opinião, — a opinião do epigrama e da anedota, que começava a sacudir o seu riso escarninho e cru.
Inquieto e aborrecido, saiu dali pouco depois de jantar. O gracejo da dona da casa continuava a zumbir-lhe ao ouvido, ao mesmo tempo que a figura de Estela lhe surgia aos olhos, com o seu aspecto do costume. Já entrado na Rua dos Inválidos, Jorge desandou o caminho e foi direito a um teatro, com o fim de aturdir-se e esquecer mais depressa. Eram nove horas e meia; assistiu a um resto de drama, que lhe pareceu jovial, e a uma comédia inteira, que lhe pareceu lúgubre. Não obstante, arejou o espírito dos cuidados da noite, e caminhou para casa mais leve e desassombrado. Era uma hora quando chegou; o criado entregou-lhe uma carta.
— A pessoa que trouxe esta carta disse que era urgente.
Jorge recebeu-a, sem conhecer a letra do sobrescrito. Era letra de mulher. Abriu-a sem pressa, mas não sem curiosidade. Não era longa; dizia simplesmente isto: “Ilmo. Sr. Doutor. Papai está muito mal; pede-lhe o favor de vir a nossa casa. — Lina Garcia.”
— A que horas veio esta carta? perguntou ele ao criado.
— Às sete.
Jorge fez um gesto de enfado e mandou buscar um tílburi. Daí a uma hora parava à porta de Luís Garcia. Era tudo silêncio. Jorge deteve-se alguns instantes, incerto sobre o que convinha fazer. O perigo, se perigo houve, podia ter passado, e toda a família estaria em repouso. Espreitou pela porta do jardim, e viu uma claridade frouxa, através de uma veneziana. Logo depois ouviu passos na areia. Era o Sr. Antunes que sentira parar o tílburi.
— Meu genro está mal, disse o pai de Estela; teve esta manhã uma recaída e perto das oito horas cuidamos perdê-lo.
Jorge entrou.
Luís Garcia estava prostrado; a febre ardia-lhe sinistramente nos olhos. De um lado e de outro do leito, viam-se a mulher e a filha, aparentemente quietas, mas gastando toda a força moral em suster a angústia que ameaçava fazer-se em lágrimas.
— Que tem? perguntou Jorge aproximando-se do enfermo.
— Uma febrinha importuna, respondeu este.
A um sinal, Estela e Iaiá retiraram-se da alcova, onde só ficou Jorge.
Mandando chamar o moço, Luís Garcia punha em execução um pensamento que lhe brotara no calor da febre. Ouviu do médico algumas palavras que lhe fizeram supor a probabilidade da morte; e, não tendo amigos nem parentes, e não querendo confiar a mulher e a filha ao sogro, lançou mão da pessoa que lhe pareceu ter a sisudez bastante e a influência necessária para as dirigir e proteger.
— Seu pai foi amigo de meu pai, disse ele; eu fui amigo de sua família; devo-lhe obséquios apreciáveis. Se eu morrer, minha mulher e minha filha ficam amparadas da fortuna, porque o dote de uma servirá para ambas, que se estimam muito; mas ficam sem mim. É verdade que meu sogro, mas... mas meu sogro tem outras ocupações, está velho, pode faltar-lhes de repente. Quisera pedir-lhe que as protegesse e guiasse; que fosse um como tutor moral das duas. Não é que lhes falte juízo; mas duas senhoras sozinhas precisam de conselhos... e eu... desculpe-me se sou indiscreto.
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