Luís Garcia declarou que lhe não pareciam tão más, como diziam as gazetas, sem contudo negar que se tratava de um sério revés.
— É guerra para seis meses, concluiu ele.
— Só?
Esta pergunta foi a primeira palavra de Jorge, que até então não fizera mais do que ouvir e comer. Valéria tomou a outra ponta do diálogo, e confirmou a opinião de Luís Garcia. Mas o filho continuou a não intervir. Acabado o jantar, Valéria ergueu-se; Luís Garcia fez o mesmo; a viúva, pousando-lhe a mão no ombro, disse em tom familiar e intencional:
— Sem cerimônia; eu volto já.
Uma vez sós os dois homens, Luís Garcia achou de bom aviso ir de ponto em branco ao assunto que ali os reunira.
— Não tem vontade de ir também ao Paraguai? perguntou ele logo que Valéria desapareceu no corredor.
— Nenhuma. Contudo, acabarei por aí.
— Sim?
— Mamãe não deseja outra coisa, e o senhor mesmo sei que é dessa opinião.
Uma resposta negativa roçou os lábios de Luís Garcia; a tempo a reprimiu, confirmando com o silêncio a pia fraude de Valéria. Tinha nas mãos o meio de inutilizar o efeito do equívoco; era mostrar-se indiferente. Jorge distraia-se em equilibrar um palito na borda de um cálix; o interlocutor, depois de olhar para ele, rompeu enfim a larga pausa:
— Mas por que motivo cede hoje, depois de recusar tanto tempo?
Jorge ergueu os olhos, fez-lhe um sinal e foram para o terraço.
— O senhor é amigo velho de nossa casa, disse ele; posso confiar-lhe tudo. Mamãe quer mandar-me para a guerra, porque não pode impedir os movimentos do meu coração.
— Algum namoro, concluiu friamente Luís Garcia.
— Uma paixão.
— Está certo do que diz?
— Estou.
— Não creio, tornou Luís Garcia depois de um instante.
— Por que não? Ela conta com a distância e o tempo, para matar um amor que supõe não haver criado raízes profundas.
Luís Garcia dera alguns passos, acompanhado pelo filho de Valéria; parou um instante, depois continuaram ambos a passear de um para outro lado. O primeiro refletia na explicação, que lhe pareceu verossímil, se o amor do rapaz era indigno de seu nome. Essa pergunta não se animou a fazê-la; mas procurou uma vereda tortuosa para ir dar com ela.
— Uma viagem à Europa, observou Luís Garcia depois de curto silêncio, produziria o mesmo resultado, sem outro risco mais que...
— Recusei a viagem, foi então que ela pensou na guerra.
— Mas se ela quisesse ir à Europa, o senhor recusaria acompanhá-la?
— Não; mas mamãe detesta o mar; não viajaria nunca. É possível que, se eu resistisse até à última, em relação à guerra, ela vencesse a repugnância ao mar e iríamos os dois...
— E por que não resistiu?
— Primeiramente, porque estava cansado de recusar. Há mês e meio que dura esta luta entre nós. Hoje, à vista das notícias do Sul, falou-me com tal instância que cedi de uma vez. A segunda razão foi um sentimento mau — mas justificável. Escolho a guerra, afinal de que se alguma coisa me acontecer, ela sinta o remorso de me haver perdido.
Luís Garcia parou e encarou silenciosamente o mancebo.
— Sei o que quer dizer esse olhar, continuou este; acha-me feroz, e eu sou apenas natural. O sentimento mau teve só um minuto de duração. Passou. Ficou-me uma sombra de remorso. Não acuso mamãe; sei as lágrimas que lhe vai custar a separação...
— Ainda é tempo de recuar.
— O que está feito, está feito, disse Jorge erguendo os ombros.
— Sabe que mais? Acho mau gosto dar a este negócio um desenlace épico. Que tem que fazer nisto a guerra do Paraguai? Vou sugerir-lhe um meio de arranjar as coisas. Ceda metade somente; vá à Europa sozinho, volte no fim de dois ou três anos...
Jorge sorriu desdenhosamente.
— Seu conselho mostra a diferença de nossas idades, disse ele. Se eu fosse para a Europa, que sacrifício faria à pessoa a quem amo? Pelo contrário, a sacrificada era ela. Eu ia divertir-me, passear, ver coisas novas, talvez achar novos amores. Indo à guerra, é diferente; sacrifico o repouso e arrisco a vida; é alguma coisa. Separados, embora, não me negará sua estima...
— Sua estima? disse Luís Garcia admirado.
Não continuou; mas Jorge compreendeu, por aquela só palavra, a que classe de mulheres ele supunha pertencer a eleita de seu coração. Fez um gesto; não se animou a dizer nada. Arrependeu-se talvez de haver dito tanto. Sem ousar recomendar-lhe silêncio, começou a insinuá-lo delicadamente; tática escusada, porque Luís Garcia não era homem de revelar o que se lhe confiava; e perigosa, porque fazia crescer as proporções do mistério. Luís Garcia sorriu interiormente ao sentir a arte cautelosa de Jorge; e quando ela lhe pareceu enfadonha:
— Descanse, disse ele; não receie que eu vá publicar seus amores. Repito-lhe o conselho: não se atire de cabeça para baixo numa aventura sem fundo.
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