Ir para a guerra é muito nobre, mas há de ser levado de outros sentimentos. Um desacordo por motivo de namoro, não é o Porto Alegre nem o Polidoro, é um padre que lhe deve pôr termo.

Jorge sorriu com ar afável, e despediu-se de Luís Garcia; foi dali vestir-se para ir ao teatro. Luís Garcia estava mais do que nunca resoluto a deixar que os acontecimentos tivessem livre curso, sem nenhuma intervenção sua. Logo que Jorge saiu, dispôs-se a fazer o mesmo, despedindo-se de Valéria. Esta acompanhou-o até à porta da sala.

— Não me diz nada? perguntou ela quando o viu prestes a transpor a porta.

— Que lhe hei de dizer?

— Falou a meu filho?

— Falei.

— Achou-o disposto?

— Não digo que não.

— Mas de má vontade?

— Não digo que sim.

Valéria sorriu com uma ponta de despeito.

— Vejo que este assunto o aborrece.

Luís Garcia disse que não. Valéria encostou-se ao portal.

— Ninguém! exclamou ela. Não tenho ninguém a meu lado. Só; ficarei só.

— Sejamos francos, disse Luís Garcia; seu filho cede, mas cede violentado, e não vejo que se possa fazer dele um herói. Que motivo tão forte a obriga a exigir desse moço um sacrifício superior a suas posses?

Valéria não respondeu.

— Sei o motivo, disse ele daí a um instante.

— Sabe?

— Suspeito; e se me permite ser franco, direi que o acho singular, pelo menos não há proporções entre a causa e o efeito. Seu filho ama. Trata-se de uma mulher de certa espécie? São correrias da mocidade, e as dele não são tais que façam escândalo, creio eu. Trata-se de alguma moça, cuja aliança lhe não pareça aceitável? Nada lhe direi a tal respeito; mas reflita primeiro antes de o mandar ao Paraguai.

Valéria prendeu a mão direita de Luís Garcia entre as suas; refletiu longo tempo; depois disse com voz sumida:

— Suponha... que se trata... de uma senhora casada?

Luís Garcia curvou a cabeça com um gesto de assentimento. Como seus olhos baixassem ao chão não pôde ver no rosto da viúva uma ligeira cor que avermelhou e desapareceu. Se lha visse, se a fitasse imperiosamente, talvez a viúva baixasse os olhos envergonhada de haver mentido. Luís Garcia não viu nada. Calou-se, aprovou a viúva e prometeu auxiliá-la.

Era noite quando Luís Garcia saiu da casa de Valéria. Ia aborrecido de tudo, da mãe e do filho, — de suas relações naquela casa, das circunstâncias em que se via posto. Galgando a ladeira a pé, detendo-se de quando em quando a olhar para baixo, ia como apreensivo do futuro, supersticioso, tomado de temores intermitentes e inexplicáveis. Não tardou a aparecer-lhe a luz da casa, e, daí a pouco, a ouvir a cantilena solitária do escravo e as notas rudimentais da marimba. Eram as vozes da paz; ele apertou o passo e refugiou-se na solidão.

CAPÍTULO III

Luís Garcia pouco trabalho teve no ânimo de Jorge. A resolução deste, uma vez declarada, não recuou mais. Não desconhecia o moço que a empresa a que metia ombros era crespa de dificuldades. A guerra, sobretudo depois do desastre de Curupaiti, prometia durar muito; não havia desânimo, e o governo era auxiliado eficazmente pela população. Jorge obteve uma patente de capitão de voluntários.

Vinte dias depois da conversa no terraço da Rua dos Inválidos, apresentou-se Jorge em Santa Teresa, fardado e pronto, de tal modo porém que era ainda difícil separar o casquilho do militar. A mesma tesoura que lhe cortava os fraques, talhara a farda de capitão. Trazia à cintura uma banda vermelha, cujas pontas caíam graciosamente ao lado. Calçava um botim reluzente, sobre o qual assentava a calça de fino pano. Inclinado levemente à direita, o boné não lhe desconcertava o cabelo, penteado ao estilo de todos os dias; o bigode tinha as mesmas guias longas, agudas e lustrosas.

Luís Garcia não pôde furtar-se a um sentimento de pena, ao vê-lo entrar fardado e prestes a seguir para o Sul.