Segue-se a crítica de Lucien da peça do Panorama-Dramatique — inteligente e vivaz, mas que não chega a dar provas de genialidade. Aqui topamos com um verdadeiro dilema. Sem dúvida alguma, o tão frequente epíteto “grand homme” geralmente é usado com ironia. Contudo, não faltam momentos em que Balzac dá a impressão de levá-lo a sério. É claro que o termo “poeta” tem uma conotação mais ampla do que lhe costumamos atribuir. Tanto Lucien quanto David Séchard são chamados de “poeta”, posto que um se interessa pela literatura e o outro pela ciência, mais especificamente pela pesquisa dos processos de fabricação do papel. Aqui surge um segundo tema que, interferindo na atitude basicamente satírica de Balzac, lhe inspira muita simpatia por Lucien.

(2) Esse segundo tema é a oposição estabelecida por Balzac entre Paris e a província. Embora fosse provinciano de nascimento e criação, ele se orgulhava de ter se tornado parisiense, ainda que condenasse Paris sinceramente por ser o próprio centro do egoísmo e da ganância implacáveis que ele encarava como os principais vícios de seu tempo. E assim, falando em termos genéricos, adota uma atitude de desprezo pela vida provinciana. Em 1833, havia escrito (no prefácio a Eugénie Grandet): “As coisas acontecem em Paris: passam ao largo nas províncias. Tudo é opaco. Nada chama a atenção, posto que se representem dramas em silêncio”. E a esse sentimento de superioridade parisiense se mistura o esnobismo de classe. A família de Balzac, de origem camponesa, tornara-se solidamente burguesa. No fim da década de 1820 e mais especialmente a partir de 1830, foi com orgulho que ele ingressou na sociedade aristocrática. Ao mesmo tempo, adotou posições políticas conservadoras e passou a ser um campeão do “Trono e Altar”. E, assim, sempre daremos com Balzac assumindo pose aristocrática (a exemplo de Sixte Châtelet, acrescentou a “partícula” de a seu sobrenome) e zombando da burguesia. Simultaneamente, não prescinde do prazer de caçoar do orgulho de raça e do néscio conservadorismo da nobreza — particularmente em A velha moça (1838) e A loja de antiguidades (1836-9). Tal como ele a retrata, a aristocracia de Angoulême é ao mesmo tempo arrogante, ignorante e mesquinha, e é isso, aliás, que o leva a criticar severamente o tratamento que ela dispensa ao “grande homem” potencial de Angoulême.

Ao chegar a Paris, Lucien fica à mercê de uma aristocracia mais culta e com acesso à corte, representada pela sra. d’Espard e seus satélites: destes Balzac dá a lista tão amiúde que não há necessidade de repeti-la aqui. Eles o tratam com mais crueldade que os Saintot e os Chandour de Angoulême. Mas se vestem bem, são elegantes, esbanjam savoir-faire e, serenamente satisfeitos consigo, imaginam-se espirituosíssimos (as demonstrações de Balzac dessa espirituosidade podem ser consideradas pouco convincentes). E, assim, na segunda parte de Ilusões perdidas, detectamos outra ambivalência na atitude do escritor: ele admira e ao mesmo tempo despreza seu beau monde. Os moradores do aristocrático Faubourg Saint-Germain são assustadoramente corretos e presunçosos, porém muito mais peçonhentos e destrutivos porque sua ação, quando eles a empreendem, é muito mais efetiva que a da nobreza de Angoulême. Unem-se para enganar, ridicularizar e eliminar o pobre rapaz “angelicamente” belo — fraco, vaidoso e autocentrado — que espera se alçar à categoria social à qual o berço de sua mãe lhe dá direito.

(3) Uma vez descartado pela sra. de Bargeton, resta-lhe escolher entre dois modos de provar seu valor: dispor-se a enfrentar um longo período de pobreza e trabalho árduo, o caminho preconizado e adotado pelo austero D’Arthez, ou abraçar o jornalismo e se impor no mundo das letras com a falta de escrúpulos que, segundo Balzac, é a única possibilidade de sucesso rápido para um jornalista ambicioso. Ele opta pelo segundo rumo, mas é demasiado vulnerável para alcançar sua meta. Por conseguinte, esse terceiro tema pode ser considerado o mais importante de Um grande homem de província em Paris: a denúncia balzaquiana do jornalismo como uma das mais perniciosas velhacarias de sua época.

A primeira metade do século xix presenciou a rápida ascensão do poder da imprensa periódica. Durante o período revolucionário, o jornalismo foi ativo — conquanto perigoso para seus militantes. Napoleão manteve a imprensa sob controle, como observa Giroudeau na página 269.