A energia de Balzac era ilimitada; e sua produtividade, impressionante. Aliás, ele se matava de trabalhar, dentre outros motivos, pela necessidade de saldar as dívidas enormes que contraíra quando impressor. Além disso, seu estilo de vida era de tal modo extravagante que as dívidas continuaram aumentando até o fim. Outro motivo ainda mais impositivo era produzir tudo quanto ele tinha imposto para si como “secretário” autonomeado da sociedade contemporânea. Mesmo assim, arranjou tempo para levar uma vida agitada, pitoresca e atormentada, memorável pelas incursões que empreendia na sociedade elegante, literária e artística e também por uma série de casos amorosos que culminaram no prolongado affaire com uma mulher que começou como mera “correspondente”, tornou-se sua amante em 1834 e, enfim, depois de lhe impingir muitos anos de angústia, com ele se casou em maio de 1850, quase na véspera de sua morte: a condessa polonesa Eveline Hanska. Obviamente, essas aventuras sentimentais, as amizades, inimizades e relações sociais forneciam material a suas obras, e uma das principais ocupações dos pesquisadores tem sido descobrir protótipos e modelos por trás de seus personagens (por exemplo, na parte ii de Ilusões perdidas, a romancista George Sand personificada por Camille Maupin): atividade bastante proveitosa desde que se leve em conta que nem Balzac nem qualquer outro grande escritor transferem fatos reais e pessoas vivas à ficção sem as fundir e transformar.
Por mais que se tenha distinguido como “secretário” da sociedade, Balzac também era um grande artista criativo, e a partir de seu estudo da sociedade contemporânea surgiu não uma simples cópia do mundo que o cercava, e sim um novo mundo que se pode perfeitamente chamar de “balzaquiano”: um mundo deveras surpreendente, repleto de pessoas extraordinariamente transbordantes de vida e energia, admiravelmente reais por um lado, mas tão ampliadas e dramatizadas, tão metamorfoseadas que é difícil dizer em que momento elas transcendem a realidade e a imaginação toma o controle. Há muita polêmica entre o Balzac observador da realidade cotidiana e o Balzac “vidente” a expressar uma visão própria das coisas. Sem dúvida alguma, o escritor era dotado de uma notável capacidade de observação e de uma memória prodigiosa. Mas, como ele mesmo afirmou muitas vezes, a tais faculdades somava-se um estranho dom de empatia ao qual, à imitação de Scott, dava o nome de “segunda visão”. Aliás, Balzac se considerava especial, se não sobrenaturalmente dotado. Em todo caso, nenhum leitor de suas obras deixará de ver que ele não é um mero “historiador” da sociedade, mas também um juiz, um satírico e, até certo ponto, um pensador construtivo, embora sua filosofia seja bastante peculiar, uma esquisita mistura de ciência e ocultismo. Como romancista, Balzac é naturalmente um “clássico”: isso quer dizer que conta uma história retilínea, cria seu background prestando meticulosa e geralmente demorada atenção às regiões, aos lugares, aos prédios, à mobília, à fisionomia e à vestimenta, apresenta e desenvolve os personagens e, ao fazê-lo, leva a ação a um clímax que, via de regra, é rápido e eminentemente dramático e, além disso, apoiado em um diálogo vivo e característico. De modo que, em termos gerais, ele é um narrador “onisciente” que sabe aonde quer chegar e de fato chega. Hoje em dia, porém, não são poucos os expoentes do nouveau roman, notadamente Michel Butor, que estão longe de pensar que a técnica de Balzac seja antiquada no século xx.
Em suas três partes, Ilusões perdidas se esteia em Cenas da vida provinciana e em Cenas da vida parisiense. Em termos genéricos, tem três temas principais:
(1) Um rapaz, filho de pai plebeu e mãe aristocrata, depois de tentar inutilmente se impor como poeta na “alta sociedade” burra e preconceituosa de sua Angoulême natal, é levado a Paris pela sra. de Bargeton, sua protetora, com o objetivo de angariar fama e fortuna. Até certo ponto, essa migração e a expectativa de sucesso literário na metrópole correspondiam à experiência pessoal do próprio Balzac, na qual ele baseou sua ficção diversas vezes, por exemplo em A pele de onagro e em O pai Goriot. Mas também era uma experiência comum, sendo que ele observou de perto o caso particular de Jules Sandeau (posto que este não tenha sido um fracasso total), um autor promissor que emprestou algumas feições essenciais ao personagem e à carreira de Étienne Lousteau em Um grande homem de província em Paris e, anos depois, em A musa do departamento. Em 1835, Zulma Carraud, uma amiga leal de Balzac que tinha morado perto de Angoulême de 1831 a 1833, tentou despertar-lhe o interesse por um jovem protegido seu, Émile Chevalet, que se transferira a Paris com exatamente o mesmo objetivo. Balzac o avaliou detidamente e enviou a Zulma um relatório devastador: “Se ele não tem recursos, vai levar dez anos para ganhar a vida com a pena […] Esse rapaz é característico da nossa época. Quem não tem aptidão para nada, empunha a pena e procura posar de talentoso”. Mas, mesmo para explorar um talento real, afirma Balzac, é necessário um longo e paciente esforço. Opinião persistentemente realçada no romance.
O caso de Lucien Chardon é parecido com o de Chevalet, se bem que, segundo o postulado inicial de Balzac, ele possua talento tanto de poeta quanto de prosador. O título francês desta segunda parte de Ilusões perdidas apresenta-o como “um grande homem de província”. Talvez fosse melhor “um grande homem em embrião”, e, aliás, em 1838, Balzac cogitou “um grande homem em seu aprendizado” como título alternativo. A mãe e a irmã de Lucien, assim como seu indulgente cunhado David Séchard, o tomam conforme sua própria autoavaliação. A sra. de Bargeton faz o mesmo no começo. Afinal, que pretensões de “grandeza” são essas?
Os espécimes de sua poesia apresentados por Balzac — ele recorreu a sonetos de alguns amigos, quase todos poetas menores, com exceção de Théophile Gautier, autor de A tulipa — não as confirmam. Talvez não seja justo pedir aos leitores de língua inglesa que os julguem pelas traduções oferecidas, embora o tradutor esteja longe de acreditar que sua versão seja muito pior que o original.
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