O fiasco de David na atividade de impressor (Balzac recorre fartamente à experiência que teve em 1826 e ao conhecimento da tipografia, de seus processos e dificuldades) agrava-se com o insucesso na invenção de um método barato de manufatura de papel. Cumpre-lhe enfrentar obstáculos insuperáveis: os premeditados planos dos irmãos Cointet, seus concorrentes auxiliados pelas artimanhas maquiavélicas do advogado espertalhão Petit-Claud, a cega mesquinhez do pai alcoólatra, a insolvência em que ele mergulha ao forjar letras de câmbio e a recaída na tolice de se achar em condições de reconquistar a sra. de Bargeton (agora sra. condessa de Châtelet) e obter subsídios governamentais que possibilitem a David concluir suas pesquisas.

Assim, Ilusões perdidas termina como começou: uma “cena da vida provinciana”. Tal como Os dois poetas, Os sofrimentos do inventor mostra a mesmíssima atitude detrativa perante a vida na província. Tanto quanto Paris, Angoulême é povoada de trapaceiros e vigaristas; mas a harmonia doméstica, a generosidade e a integridade do casal Séchard, ingênuos e crédulos que são, conferem uma coloração mais agradável ao conjunto do quadro e, no fim, promovem uma perspectiva um pouco mais serena. Depois de mandar David para a prisão por dívidas, Lucien se abisma em uma desesperança tal que a única saída parece ser o suicídio. Mas, no último instante, Balzac aciona um deus ex machina: o misterioso eclesiástico e diplomata espanhol “Carlos Herrera” que, depois de longas arengas, acolhe Lucien debaixo da asa e o leva de volta a Paris, onde ele pretende ter sucesso de modo realmente efetivo. O plano que adota é o de usar outra mulher de vida fácil, Esther van Gobseck, outra Coralie (Balzac tinha carinho por essas mulheres) como isca para extorquir dinheiro de um banqueiro velho e apaixonado, o barão de Nucingen — os leitores de Balzac sabem que, graças ao seu engenhoso sistema de “personagens recorrentes”, estão sujeitos a encontrar repetidamente as mesmas pessoas em diferentes romances —, para que a propriedade de Rubempré seja readquirida e se lance a pedra fundamental do enobrecimento e do sucesso na vida política de Lucien. Esse projeto também se frustra. Acusado de homicídio, Lucien acaba preso e se enforca na cela.

Tudo isso ocorre na longa sequência de Ilusões perdidas intitulada Esplendor e miséria das cortesãs, que leva Lucien ao seu fim predeterminado. Obviamente, essa conclusão de sua triste carreira estava na mente de Balzac desde o começo. Disso há uma sugestão na parte i (página 87): “Lucien não se imaginava entre a infâmia dos galés e as palmas do gênio. Pairava sobre o Sinai dos profetas sem compreender que, embaixo, se estendia um mar Morto, o horrível sudário de Gomorra”. Em 1838, ele publicara um fragmento de Esplendor. Uma vez mais, Lucien se mostraria frágil e imprestável — um mero joguete nas mãos de “Carlos Herrera”. Quem é esse misterioso personagem? Longe de ser espanhol, é um personagem que aparecera pela primeira vez em O pai Goriot em 1834; o mestre criminoso Vautrin, Jacques Collin, “Trompe-la-Mort” — “Engana-a-Morte”: um homem que declarou guerra à sociedade e, movido por tendências homossexuais, gosta de cuidar de rapazinhos e fazer carreira para eles (daí, sem dúvida, a alusão a Gomorra na citação acima). Em O pai Goriot, ele não consegue capturar Eugène de Rastignac — este arranja outro meio de vencer na vida —, mas Lucien é uma presa fácil. Parcialmente calcado no famoso espião da polícia Vidocq, do período napoleônico e da Restauração, Vautrin é uma figura fascinante. Também protagoniza um drama — Vautrin — produzido por Balzac em 1840. Inconsolável com o suicídio de Lucien, ele desiste da guerra contra a sociedade e passa a protegê-la na função de superintendente da polícia!

É ocioso dizer que, tendo por base semelhante enredo, Esplendor e miséria das cortesãs contém um forte elemento de melodrama, coisa já prenunciada nos últimos capítulos de Os sofrimentos do inventor. Mas Ilusões perdidas é um genuíno “estudo dos costumes”, apesar de sua pronunciada propensão satírica e de sua tendência oposta, a sentimental: uma estranha mescla de pessimismo cínico e emocionalismo romântico. Um aspecto igualmente notável dos romances de Balzac em geral é a ambivalência de atitude. Temos o Balzac que participa e simpatiza não só com seus personagens virtuosos, bem raros neste romance (Eve, David, a sra. Séchard, Marion, Kolb, Bérénice, Martainville), como também com os censuráveis — é o que mostra o tratamento que ele dá à sra. de Bargeton, a Lucien e até a Lousteau. Tampouco consegue dissimular certa admiração por vilões como Finot, os irmãos Cointet e Petit-Claud. Temos ainda o Balzac que satiriza, admoesta e condena. Essa ambiguidade de atitude impregna-lhe o estilo. Ora é frio, incisivo e objetivamente sardônico; ora bombástico e pernosticamente “poético”.