Tenho vontade de erguer os braços e gritar coisas de uma selvageria ignorada, de dizer

palavras aos mistérios altos, de afirmar uma nova personalidade larga aos grandes espaços da matéria vazia.

Mas recolho-me e abrando-me. "Sou do tamanho do que vejo!" E a frase fica sendo-me a alma inteira, encosto a ela todas as emoções que sinto, e sobre mim, por dentro, como sobre a cidade por fora, cai a paz indecifrável do luar duro que começa largo com o anoitecer."

* * *

48.

"A solidão desola-me; a companhia oprime-me. A presença de outra pessoa descaminha-me os pensamentos; sonho a sua presença com uma distracção especial, que toda a minha atenção analítica não consegue definir."

* * *

49.

"O isolamento talhou-me à sua imagem e semelhança. A presença de outra pesoa - de uma só pessoa que seja - atrasa-me imediatamente o pensamento, e, ao passo que no homem normal o contacto com outrem é um estímulo para a expressão e para o dito, em mim esse contacto é um contra-estímulo."

"Os meus hábitos são da solidão, que não dos homens"; não sei se foi Rousseau, se Senancour, o que disse isto. Mas foi qualquer espírito da minha espécie - não poderia talvez dizer da minha raça."

* * *

52.

"O vento levantou-se...Primeiro era como a voz de um vácuo...um soprar no espaço para dentro de um buraco, uma falta no silêncio do ar. Depois ergueu-se um soluço, um soluço do fundo do mundo, o sentir-se que tremiam vidraças e que era realmente vento. Depois soou mais alto, urro surdo, um chocar sem ser ante o aumentar nocturno, um ranger de coisas, um cair de bocados, um átomo de fim do mundo."

* * *

59.

"Os Deuses, se são justos em sua injustiça, nos conservem os sonhos ainda quando sejam impossíveis, e nos dêem bons sonhos, ainda que sejam baixos."

* * *

63.

"Cada um tem a sua vaidade, e a vaidade de cada um é o seu esquecimento de que há outros com alma igual. A minha vaidade são algumas páginas, uns trechos, certas dúvidas...

Releio?Menti! Não ouso reler. Não posso reler. De que me serve reler? O que está ali é outro.

Já não compreendo nada..."

* * *

65.

"Ah, mas como eu desejaria lançar ao menos numa alma alguma coisa de veneno, de

desassossego e de inquietação. Isso consolarme-ia um pouco da nulidade de acção em que

vivo. Perverter seria o fim da minha vida. Mas vibra alguma alma com as minhas palavras?

Ouve-as alguém que não só eu?

* * *

66.

"Dói-me qualquer sentimento que desconheço; falta-me qualquer argumento não sei sobre o quê; não tenho vontade nos nervos. Estou triste abaixo da consciência. E escrevo estas linhas, realmente mal-notadas, não para dizer isto, nem para dizer qualquer coisa, mas para dar um trabalho à minha desatenção. Vou enchendo lentamente, a traços moles de lápis rombo - que não tenho sentimentalidade para aparar - , o papel branco de embrulho de sanduíches, que me forneceram no café, porque eu não precisava de melhor e qualquer servia, desde que fosse branco. E dou-me por satisfeito."

* * *

68.

"A consciência da inconsciência da vida é o mais antigo imposto à inteligência."

* * *

71.

"Aquilo que, creio, produz em mim o sentimento profundo, em que vivo, de incongruência com os outros, é que a maioria pensa com a sensibilidade, e eu sinto com o pensamento.

Para o homem vulgar, sentir é viver e pensar é saber viver.