As sensações amortecidas se encarnavam de novo e pulsavam com uma veemência extraordinária. Eu sofria a atração irresistível do gozo fruído, que provoca o desejo até a consunção; e conheci que essa mulher ia se tornar uma necessidade, embora momentânea, da minha vida.
— E uma bonita mulher! disse ao meu vizinho, com um ar de indiferença para disfarçar a minha emoção.
— A mais bonita mulher do Rio de Janeiro e também a mais caprichosa e excêntrica. Ninguém a compreende.
— Conheço-a apenas de vista; porém disseram-me que é uma boa moça, muito amável...
— Oh! Posso falar a este respeito. Fui seu amante quatro meses.
— E por que a deixou? Aborreceu-se?
— Não a deixei. É seu costume; um belo dia, sem causa, sem o mínimo pretexto, declara a um homem que as suas relações estão acabadas; e não há que fazer. Podem oferecer-lhe somas loucas, é tempo perdido. Também no dia seguinte, ou no mesmo, daí a uma hora, toma outro amante que não conhece, que nunca viu.
— Todas são assim, com pouca diferença; ninguém sabe qual é o fio que faz dançar essas bonecas de papelão.
— Nem tanto. Há mulheres, que, ou por interesse, ou por amizade, ou mesmo por hábito, se inquietam com a idéia de que seu amante as abandone; mas para esta é absolutamente indiferente. Tem dias em que está de um humor insuportável: fica uma estátua, e não há forças humanas que possam arrancar daquela massa inerte um sorriso, uma palavra, um movimento. Se o homem não possui grande dose de paciência para sofrê-la calado, ela fecha-lhe a porta muito delicadamente, e manda-lhe dizer pela criada –“que tenha a bondade de deixá-la tranqüila para todo o sempre”. – E uma vez dito, não volta.
— Para quem tem direitos adquiridos, parece-me um tanto forte!
— É o seu engano, continuou o Cunha que estava de veia. A Lúcia não admite que ninguém adquira direitos sobre ela. Façam-lhe as propostas mais brilhantes: sua casa é sua e somente sua; ela o recebe, sempre como hóspede; como dono, nunca. Na ocasião em que o senhor a toma por amante, ela previne-o de que reserva-se plena liberdade de fazer o que quiser e de deixá-lo quando lhe aprouver, sem explicações e sem pretextos, o que sucede invariavelmente antes de seis meses; está entendido que lhe concede o mesmo direito.
— Ao menos há reciprocidade!
— Não lhe pede nada, nem sequer doces em tempo de festa, ou sorvetes quando está no teatro. Nunca a vi bordar em malhas transparentes um desses desejos disfarçados com que as mulheres iscam à generosidade de seus apaixonados. Se indagam do seu gosto a respeito de algum objeto que lhe destinam, desconversa e não responde; aceita friamente o que lhe dão, e nada mais. Ora, com uma mulher desta natureza, que não oferece a mínima ocasião de prestar-lhe um serviço e ganhar-lhe a amizade ou a gratidão, é possível ter direitos adquiridos?
— Há de sofrer com isso!... Tenho-a visto duas ou três vezes e sempre vestida simplesmente. Não traz um brilhante; entretanto que outras, que não a valem, andam cobertas. Repare!...
— Qual! Não é essa a razão! Nunca lhe faltam amantes; sei de grandes fortunas no Rio de Janeiro que se dariam por felizes se ela se decidisse a arruiná-las. E para não ir muito longe, embora não seja rico, caso ela ainda quisesse...
— Ah! Então as suas relações estão cortadas?
— Inteiramente; e de uma maneira célebre. Vou-lhe contar. Passeávamos numa noite de luar claro como dia; vendo minha mulher na janela, escondi-me involuntariamente no fundo do carro com receio de que me reconhecesse. Era inútil, porque estava distraída olhando para o mar. Entretanto Lúcia, por maldade, mandou ao cocheiro que parasse, saltou do carro, e esteve muito tempo, em pé, na grade, voltada para minha casa. Eu não sabia o que fizesse, compreende bem; não queria mostrar-me, e tinha medo de um escândalo. Felizmente ela foi caminhando, e a alguma distancia mandou parar um tílburi que passava; o carro a tinha acompanhado; chegou-se à portinhola e disse-me: “Não gosto de gente que se esconde, meu senhor. Vá olhar para o mar, ao lado de sua mulher; é mais inocente e mais poético. De amanhã em diante não nos conhecemos”. Debalde quis impedi-la, meteu-se no tílburi; e o cocheiro, que tinha um excelente animal, logrou-me: foi-me impossível segui-los.
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