Desculpas manda o Rei de seus enganos;

Recebe o Capitão de melhor mente

Os presos que as desculpas, e tornando

Alguns negros, se parte as velas dando.

 

13

 

Parte-se costa abaixo, porque entende

Que em vão com o Rei gentio trabalhava

Em querer dele paz, a qual pretende

Por firmar o comércio que tratava.

Mas como aquela terra, que se estende

Pela Aurora, sabida já deixava,

Com estas novas torna à pátria cara,

Certos sinais levando do que achara.

 

14

 

Leva alguns Malabares, que tomou

Por força, dos que o Samorim mandara

Quando os presos feitores lhe tornou;

Leva pimenta ardente, que comprara;

A seca flor de Banda não ficou,

A noz, e o negro cravo, que faz clara

A nova ilha Maluco, com a canela,

Com que Ceilão é rica, ilustre e bela.

 

15

 

Isto tudo lhe houvera a diligência

De Monçaide fiel, que também leva,

Que, inspirado de angélica influência,

Quer no livro de Cristo que se escreva.

Ó ditoso Africano, que a clemência

Divina assim tirou de escura treva,

E tão longe da pátria achou maneira

Para subir à pátria verdadeira!

 

16

 

Apartadas assim da ardente costa

As venturosas naus, levando a proa

Para onde a Natureza tinha posta

A meta Austrina da esperança boa,

Levando alegres novas e resposta

Da parte Oriental para Lisboa,

Outra vez cometendo os duros medos

Do mar incerto, tímidos e ledos;

 

17

 

O prazer de chegar à pátria cara,

A seus penates caros e parentes,

Para contar a peregrina e rara

Navegação, os vários céus e gentes;

Vir a lograr o prémio, que ganhara

Por tão longos trabalhos e acidentes,

Cada um tem por gosto tão perfeito,

Que o coração para ele é vaso estreito.

 

18

 

Porém a deusa Cípria, que ordenada

Era para favor dos Lusitanos

Do Padre eterno, e por bom génio dada,

Que sempre os guia já de longos anos;

A glória por trabalhos alcançada,

Satisfação de bem sofridos danos,

Lhe andava já ordenando, e pretendia

Dar-lhe nos mares tristes alegria.

 

19

 

Depois de ter um pouco revolvido

Na mente o largo mar que navegaram,

Os trabalhos, que pelo Deus nascido

Nas Anfióneas Tebas se causaram;

Já trazia de longe no sentido,

Para prémio de quanto mal passaram,

Buscar-lhe algum deleite, algum descanso

No Reino de cristal líquido e manso;

 

20

 

Algum repouso, enfim, com que pudesse

Refocilar a lassa humanidade

Dos navegantes seus, como interesse

Do trabalho que encurta a breve idade.

Parece-lhe razão que conta desse

A seu filho, por cuja potestade

Os Deuses faz descer ao vil terreno

E os humanos subir ao céu sereno.

 

21

 

Isto bem revolvido, determina

De ter-lhe aparelhada, lá no meio

Das águas, alguma ínsula divina,

Ornada de esmaltado e verde arreio;

Que muitas tem no reino, que confina

Da mãe primeira com o terreno seio,

Afora as que possui soberanas

Para dentro das portas Herculanas.

 

22

 

Ali quer que as aquáticas donzelas

Esperem os fortíssimos barões,

Todas as que têm título de belas,

Glória dos olhos, dor dos corações,

Com danças e coreias, porque nelas

Influirá secretas afeições,

Para com mais vontade trabalharem

De contentar, a quem se afeiçoaram.

 

23

 

Tal manha buscou já, para que aquele

Que de Anquises pariu, bem recebido

Fosse no campo que a bovina pele

Tomou de espaço, por subtil partido.

Seu filho vai buscar, porque só nele

Tem todo seu poder, fero Cupido,

Que assim como naquela empresa antiga

Ajudou já, nestoutra a ajude e siga.

 

24

 

No carro ajunta as aves que na vida

Vão da morte as exéquias celebrando,

E aquelas em que já foi convertida

Perístera, as boninas apanhando.

Em derredor da Deusa já partida,

No ar lascivos beijos se vão dando.

Ela, por onde passa, o ar e o vento

Sereno faz, com brando movimento.

 

25

 

Já sobre os Idálios montes pende,

Onde o filho frecheiro estava então

Ajuntando outros muitos, que pretende

Fazer uma famosa expedição

Contra o mundo rebelde, por que emende

Erros grandes, que há dias nele estão,

Amando coisas que nos foram dadas,

Não para ser amadas, mas usadas.

 

26

 

Via Acteon na caça tão austero,

De cego na alegria bruta, insana,

Que por seguir um feio animal fero,

Foge da gente e bela forma humana;

E por castigo quer, doce e severo,

Mostrar-lhe a formosura de Diana;

E guarde-se não seja ainda comido

Desses cães que agora ama, e consumido.

 

27

 

E vê do mundo todo os principais,

Que nenhum no bem público imagina;

Vê neles que não têm amor a mais

Que a si somente, e a quem Filáucia ensina.

Vê que esses que frequentam os reais

Paços, por verdadeira e sã doutrina

Vendem adulação, que mal consente

Mondar-se o novo trigo florescente.

 

28

 

Vê que aqueles que devem à pobreza

Amor divino e ao povo caridade,

Amam somente mandos e riqueza,

Simulando justiça e integridade.

Da feia tirania e de aspereza

Fazem direito e vã severidade:

Leis em favor do Rei se estabelecem,

As em favor do povo só perecem.

 

29

 

Vê, enfim, que ninguém ama o que deve,

Senão o que somente mal deseja;

Não quer que tanto tempo se releve

O castigo, que duro e justo seja.

Seus ministros ajunta, por que leve

Exércitos conformes à peleja,

Que espera ter com a mal regida gente,

Que lhe não for agora obediente.

 

30

 

Muitos destes meninos voadores

Estão em várias obras trabalhando:

Uns amolando ferros passadores,

Outros ásteas de setas delgaçando;

Trabalhando, cantando estão de amores,

Vários casos em verso modulando,

Melodia sonora e concertada,

Suave a letra, angélica a soada.

 

31

 

Nas frágoas imortais, onde forjavam

Para as setas as pontas penetrantes,

Por lenha corações ardendo estavam,

Vivas entranhas ainda palpitantes.

As águas onde os ferros temperavam,

Lágrimas são de míseros amantes;

A viva f lama, o nunca morto lume,

Desejo é só que queima, e não consume.

 

32

 

Alguns exercitando a mão andavam

Nos duros corações da plebe rude;

Crebros suspiros pelo ir soavam

Dos que feridos vão da seta aguda.

Formosas Ninfas são as que curavam

As chagas recebidas cuja ajuda

Não somente dá vida aos mal feridos,

Mas põe em vida os ainda não nascidos.

 

33

 

Formosas são algumas e outras feias,

Segundo a qualidade for das chagas;

Que o veneno espalhado pelas veias

Curam-no às vezes ásperas triagas.