130

 

"Olha o muro e edifício nunca crido,

Que entre um império e o outro se edifica,

Certíssimo sinal, e conhecido,

Da potência real, soberba e rica.

Estes, o Rei que têm, não foi nacido

Príncipe, nem dos pais aos filhos fica,

Mas elegem aquele que é famoso

Por cavaleiro, sábio e virtuoso.

 

131

 

"Inda outra muita terra se te esconde

Até que venha o tempo de mostrar-se;

Mas não deixes no mar as Ilhas onde

A Natureza quis mais afamar-se:

Esta, meia escondida, que responde

De longe à China, donde vem buscar-se,

É Japão, onde nace a prata fina,

Que ilustrada será co a Lei divina.

 

132

 

"Olha cá pelos mares do Oriente

Ás infinitas Ilhas espalhadas:

Vê Tidore e Ternate, co fervente

Cume, que lança as flamas ondeadas.

As árvores verás do cravo ardente,

Co sangue Português inda compradas.

Aqui há as áureas aves, que não decem

Nunca à terra e só mortas aparecem.

 

133

 

"Olha de Banda as Ilhas, que se esmaltam

Da vária cor que pinta o roxo fruto;

Às aves variadas, que ali saltam,

Da verde noz tomando seu tributo.

Olha também Bornéu, onde não faltam

Lágrimas no licor coalhado e enxuto

Das árvores, que cânfora é chamado,

Com que da Ilha o nome é celebrado.

 

134

 

"Ali também Timor, que o lenho manda

Sândalo, salutífero e cheiroso;

Olha a Sunda, tão larga que üa banda

Esconde pera o Sul dificultoso;

A gente do Sertão, que as terras anda,

Um rio diz que tem miraculoso,

Que, por onde ele só, sem outro, vai,

Converte em pedra o pau que nele cai.

 

135

 

"Vê naquela que o tempo tornou Ilha,

Que também flamas trémulas vapora,

A fonte que óleo mana, e a maravilha

Do cheiroso licor que o tronco chora,

- Cheiroso, mais que quanto estila a filha

De Ciniras na Arábia, onde ela mora;

E vê que, tendo quanto as outras têm,

Branda seda e fino ouro dá também.

 

136

 

"Olha, em Ceilão, que o monte se alevanta

Tanto que as nuvens passa ou a vista engana;

Os naturais o têm por cousa santa,

Pola pedra onde está a pegada humana.

Nas ilhas de Maldiva nace a pranta

No profundo das águas, soberana,

Cujo pomo contra o veneno urgente

É tido por antídoto excelente.

 

137

 

"Verás defronte estar do Roxo Estreito

Socotorá, co amaro aloé famosa;

Outras ilhas, no mar também sujeito

A vós, na costa de África arenosa,

Onde sai do cheiro mais perfeito

A massa, ao mundo oculta e preciosa.

De São Lourenço vê a Ilha afamada,

Que Madagáscar é dalguns chamada.

 

138

 

"Eis aqui as novas partes do Oriente

Que vós outros agora ao mundo dais,

Abrindo a porta ao vasto mar patente,

Que com tão forte peito navegais.

Mas é também razão que, no Ponente,

Dum Lusitano um feito inda vejais,

Que, de seu Rei mostrando-se agravado,

Caminho há-de fazer nunca cuidado.

 

139

 

"Vedes a grande terra que contina

Vai de Calisto ao seu contrário Pólo,

Que soberba a fará a luzente mina

Do metal que a cor tem do louro Apolo.

Castela, vossa amiga, será dina

De lançar-lhe o colar ao rudo colo.

Varias províncias tem de várias gentes,

Em ritos e costumes, diferentes.

 

140

 

"Mas cá onde mais se alarga, ali tereis

Parte também, co pau vermelho nota;

De Santa Cruz o nome lhe poreis;

Descobri-la-á a primeira vossa frota.

Ao longo desta costa, que tereis,

Irá buscando a parte mais remota

O Magalhães, no feito, com verdade,

Português, porém não na lealdade.

 

141

 

"Dês que passar a via mais que meia

Que ao Antártico Pólo vai da Linha,

Düa estatura quási giganteia

Homens verá, da terra ali vizinha;

E mais avante o Estreito que se arreia

Co nome dele agora, o qual caminha

Pera outro mar e terra que fica onde

Com suas frias asas o Austro a esconde.

 

142

 

"Até'aqui Portugueses concedido

Vos é saberdes os futuros feitos

Que, pelo mar que já deixais sabido,

Virão fazer barões de fortes peitos.

Agora, pois que tendes aprendido

Trabalhos que vos façam ser aceitos

As eternas esposas e fermosas,

Que coroas vos tecem gloriosas,

 

143

 

"Podeis-vos embarcar, que tendes vento

E mar tranquilo, pera a pátria amada."

Assi lhe disse; e logo movimento

Fazem da Ilha alegre e namorada.

Levam refresco e nobre mantimento;

Levam a companhia desejada

Das Ninfas, que hão-de ter eternamente,

Por mais tempo que o Sol o mundo aquente.

 

144

 

Assi foram cortando o mar sereno,

Com vento sempre manso e nunca irado,

Até que houveram vista do terreno

Em que naceram, sempre desejado.

Entraram pela foz do Tejo ameno,

E à sua pátria e Rei temido e amado

O prémio e glória dão por que mandou,

E com títulos novos se ilustrou.

 

145

 

Nô mais, Musa, nô mais, que a Lira tenho

Destemperada e a voz enrouquecida,

E não do canto, mas de ver que venho

Cantar a gente surda e endurecida.

O favor com que mais se acende o engenho

Não no dá a pátria, não, que está metida

No gosto da cobiça e na rudeza

Düa austera, apagada e vil tristeza.

 

146

 

E não sei por que influxo de Destino

Não tem um ledo orgulho e geral gosto,

Que os ânimos levanta de contino

A ter pera trabalhos ledo o rosto.

Por isso vós, ó Rei, que por divino

Conselho estais no régio sólio posto,

Olhai que sois (e vede as outras gentes)

Senhor só de vassalos excelentes.

 

147

 

Olhai que ledos vão, por várias vias,

Quais rompentes liões e bravos touros,

Dando os corpos a fomes e vigias,

A ferro, a fogo, a setas e pelouros,

A quentes regiões, a plagas frias,

A golpes de Idolátras e de Mouros,

A perigos incógnitos do mundo,

A naufrágios, a pexes, ao profundo.

 

148

 

Por vos servir, a tudo aparelhados;

De vós tão longe, sempre obedientes;

A quaisquer vossos ásperos mandados,

Sem dar reposta, prontos e contentes.

Só com saber que são de vós olhados,

Demónios infernais, negros e ardentes,

Cometerão convosco, e não duvido

Que vencedor vos façam, não vencido.

 

149

 

Favorecei-os logo, e alegrai-os

Com a presença e leda humanidade;

De rigorosas leis desalivai-os,

Que assi se abre o caminho à santidade.

Os mais exprimentados levantai-os,

Se, com a experiência, têm bondade

Pera vosso conselho, pois que sabem

O como, o quando, e onde as cousas cabem.

 

150

 

Todos favorecei em seus ofícios,

Segundo têm das vidas o talento;

Tenham Religiosos exercícios

De rogarem, por vosso regimento,

Com jejuns, disciplina, pelos vícios

Comuns; toda ambição terão por vento,

Que o bom Religioso verdadeiro

Glória vã não pretende nem dinheiro.

 

151

 

Os Cavaleiros tende em muita estima,

Pois com seu sangue intrépido e fervente

Estendem não sòmente a Lei de cima,

Mas inda vosso Império preminente.

Pois aqueles que a tão remoto clima

Vos vão servir, com passo diligente,

Dous inimigos vencem: uns, os vivos,

E (o que é mais) os trabalhos excessivos.

 

152

 

Fazei, Senhor, que nunca os admirados

Alemães, Galos, Ítalos e Ingleses,

Possam dizer que são pera mandados,

Mais que pera mandar, os Portugueses.

Tomai conselho só d'exprimentados

Que viram largos anos, largos meses,

Que, posto que em cientes muito cabe.

Mais em particular o experto sabe.

 

153

 

De Formião, filósofo elegante,

Vereis como Anibal escarnecia,

Quando das artes bélicas, diante

Dele, com larga voz tratava e lia.

A disciplina militar prestante

Não se aprende, Senhor, na fantasia,

Sonhando, imaginando ou estudando,

Senão vendo, tratando e pelejando.

 

154

 

Mas eu que falo, humilde, baxo e rudo,

De vós não conhecido nem sonhado?

Da boca dos pequenos sei, contudo,

Que o louvor sai às vezes acabado.

Tem me falta na vida honesto estudo,

Com longa experiência misturado,

Nem engenho, que aqui vereis presente,

Cousas que juntas se acham raramente.

 

155

 

Pera servir-vos, braço às armas feito,

Pera cantar-vos, mente às Musas dada;

Só me falece ser a vós aceito,

De quem virtude deve ser prezada.

Se me isto o Céu concede, e o vosso peito

Dina empresa tomar de ser cantada,

Como a pres[s]aga mente vaticina

Olhando a vossa inclinação divina,

 

156

 

Ou fazendo que, mais que a de Medusa,

A vista vossa tema o monte Atlante,

Ou rompendo nos campos de Ampelusa

Os muros de Marrocos e Trudante,

A minha já estimada e leda Musa

Fico que em todo o mundo de vós cante,

De sorte que Alexandro em vós se veja,

Sem à dita de Aquiles ter enveja.

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