Gardiner, em reservado, descansava um pouco. Lançando-se à mesa, pegou o café, que derramou prontamente, assim deixando a frente do vestido tão imprestável quanto as costas.

– Oh, céus, como sou estabanada! – exclamou Jo, acabando com a luva de Meg ao esfregá-la no vestido.

– Posso ajudar? – disse uma voz amiga; e ali estava Laurie, com uma xícara cheia numa das mãos e um prato de sorvete na outra.

– Eu estava tentando pegar alguma coisa para Meg, que está muito cansada, e alguém esbarrou em mim e aqui estou num belo estado – respondeu Jo, olhando desalentada da saia manchada para a luva cor de café.

– Que pena! Eu estava procurando alguém para entregar isso aqui; posso levar para sua irmã?

– Oh, muito obrigada! Vou lhe mostrar onde ela está. Não me ofereço para levar eu mesma pois sei que só causaria mais um desastre se tentasse.

Jo foi na frente; Laurie, como se estivesse acostumado a servir damas, puxou uma mesinha, trouxe mais café e outra porção de sorvete para Jo e foi tão prestativo que mesmo a meticulosa Meg o declarou um “bom rapaz”. Divertiram-se com os bombons e os bolinhos com mensagens dentro e, quando Hannah apareceu, estavam jogando tranquilamente uma brincadeira de palavras com mais dois ou três desgarrados que se haviam juntado a eles. Meg se esqueceu do pé e se levantou tão depressa que, num grito de dor, precisou se apoiar em Jo.

– Psss! Não diga nada – ela sussurrou, acrescentando em voz alta: – Não é nada; torci um pouco o pé, só isso – e subiu mancando a escada para buscar suas coisas.

Hannah ralhava, Meg chorava e Jo estava quase no limite quando decidiu tomar uma iniciativa. Esgueirando-se, desceu a escada correndo e, encontrando um serviçal, perguntou se ele poderia providenciar uma carruagem. Por acaso era um garçom contratado, que não conhecia a vizinhança; e Jo estava procurando auxílio quando Laurie, que ouvira o que ela havia dito, veio e ofereceu a carruagem do avô, que acabara de chegar para buscá-lo, disse ele.

– Mas é tão cedo, você não pretende ir embora já! – disse Jo, parecendo aliviada, mas hesitando em aceitar o oferecimento.

– Sempre vou embora cedo, de verdade. Por favor, deixe-me levá-las para casa; é caminho, você sabe disso, e está chovendo, pelo que dizem.

Isso resolveu a questão; contando-lhe o acidente de Meg, Jo aceitou agradecida e correu para cima para trazer o restante do grupo. Hannah detestava chuva tanto quanto um gato; portanto, não fez nenhuma objeção e todos partiram na luxuosa carruagem fechada, sentindo-se muito festivos e elegantes. Laurie foi na boleia para que Meg pudesse manter o pé erguido, e as garotas puderam falar sobre a festa com toda a liberdade.

– Eu me diverti muito, e você? – perguntou Jo, soltando o cabelo e ficando à vontade.

– Sim, até me machucar. Annie Moffat, amiga de Sallie, se agradou de mim e me convidou para passar uma semana com ela, quando Sallie for. Ela vai na primavera, quando começa a temporada de ópera, e será absolutamente maravilhoso se a mãe me deixar ir – respondeu Meg, animando-se à ideia.

– Vi você dançando com o rapaz ruivo de quem fugi; era simpático?

– Oh, muito! O cabelo dele é castanho-avermelhado, não ruivo, era muito educado e dancei uma mazurca deliciosa com ele.

– Ele parecia um gafanhoto aos saltos quando dançava o passo novo. Laurie e eu não conseguimos controlar o riso; você nos ouviu?

– Não, mas foi muito grosseiro. O que vocês ficaram fazendo o tempo todo, escondidos lá?

Jo contou suas aventuras e, quando terminou, tinham chegado em casa. Despediram-se com muitos agradecimentos e entraram devagarinho, esperando não incomodar ninguém; mas, no instante em que a porta do quarto rangeu, duas touquinhas de dormir apareceram e duas vozes sonolentas, mas ansiosas, gritaram:

– Contem da festa! Contem da festa!

No que Meg disse ser “uma grande falta de educação”, Jo pegara alguns bombons para as meninas, e logo adormeceram, depois de ouvir as notícias mais emocionantes da noite.

– De fato, sinto-me uma jovem dama muito fina, voltando da festa numa carruagem, sentada de camisola com uma criada para me atender – disse Meg, enquanto Jo lhe passava arnica no pé e escovava seus cabelos.

– Não creio que jovens damas finas se divirtam mais do que nós, apesar do cabelo queimado, do vestido velho, da luva desparceirada e dos sapatos apertados, que nos fazem torcer o tornozelo quando somos tolas a ponto de usá-los.

E penso que Jo tinha toda a razão.

Capítulo 4

Fardos

– Oh, céus, como parece difícil retomar nossos fardos e prosseguir – suspirou Meg na manhã seguinte à festa, pois, agora que as férias haviam terminado, a semana de festejos não lhe dava disposição para voltar à tarefa de que nunca gostara.

– Gostaria que fosse sempre Natal e Ano Novo; não seria bom? – respondeu Jo, bocejando desanimada.

– Não aproveitaríamos metade do que aproveitamos agora. Mas parece mesmo tão bom ter ceias e buquês, ir a festas e voltar de carruagem para casa, ler e descansar, sem trabalhar. É como os outros, sabe?, e sempre invejei as meninas que fazem isso; gosto tanto de luxo – disse Meg, tentando decidir qual dos dois vestidos surrados estava menos surrado.

– Bem, mas não podemos ter, então não reclamemos; vamos pôr nossos fardos nas costas e marchar animadamente como faz mamãe. Tenho certeza de que a tia March é para mim um verdadeiro Velho do Mar, das histórias de Simbad, mas creio que, quando aprender a carregá-la sem me queixar, ela descerá ou ficará tão leve que nem vou perceber.

Essa ideia avivou a imaginação de Jo e a deixou de bom humor; mas Meg não se animou, pois seu fardo, que consistia em quatro crianças mimadas, parecia mais pesado do que nunca. Não tinha ânimo sequer para se arrumar, como de costume, colocando uma gargantilha azul e fazendo o penteado que mais lhe assentasse.

– De que adianta me arrumar se ninguém me olha, a não ser aqueles nanicos implicantes, e ninguém se importa se estou bonita ou não? – murmurou ela, fechando a gaveta num repelão. – Vou ter de labutar e mourejar todos os meus dias, só com uns momentinhos de diversão de vez em quando, e vou ficar velha, feia e azeda porque sou pobre e não posso aproveitar minha vida como fazem outras moças. É uma tristeza!

Então Meg desceu com ar ressentido e não foi nada simpática durante o café da manhã. Todas pareciam aborrecidas e propensas a resmungar. Beth estava com dor de cabeça e ficou deitada no sofá, tentando se reconfortar com a gata e três gatinhos; Amy estava nervosa porque não aprendera suas lições e não conseguia encontrar suas galochas; Jo até assobiava e fez uma barulheira para se aprontar; a sra. March estava muito ocupada tentando terminar uma carta, que devia seguir imediatamente; Hannah estava irritada porque não gostava de se deitar tarde.

– Nunca houve família tão rabugenta! – exclamou Jo, perdendo a calma quando derrubou um tinteiro, rompeu dois cadarços e sentou-se em cima de seu chapéu.

– E você é a mais rabugenta dela! – retrucou Amy, apagando a soma que estava toda errada com as lágrimas que haviam caído sobre a lousa.

– Beth, se você não deixar esses gatos horríveis lá no porão, vou ter de afogá-los – exclamou Meg zangada, enquanto tentava se livrar do gatinho que lhe subira pelas costas e parecia uma farpa presa, fora do alcance.

Jo ria, Meg ralhava, Beth implorava e Amy gemia porque não conseguia lembrar quanto era nove vezes doze.

– Meninas, meninas, fiquem quietas um minuto! Preciso mandar isso pelo primeiro correio, e vocês me distraem com suas preocupações – exclamou a sra. March, riscando pela terceira vez uma frase na carta.

Houve uma breve calmaria, rompida por Hannah, que irrompeu de repente, pôs duas tortas quentes na mesa e saiu outra vez. Essas tortas eram praxe e as meninas as chamavam de “regalos”, porque não tinham regalos de verdade e achavam as tortas quentes muito reconfortantes para as mãos nas manhãs geladas. Hannah nunca se esquecia de prepará-las, por mais ocupada ou mal-humorada que estivesse, pois a caminhada era longa e desolada, e as pobrezinhas não levavam mais nada para comer e raramente voltavam antes das duas horas.

– Acarinhe os gatos e fique boa da dor de cabeça, Bethy. Até logo, mamãe; estamos umas pestes agora pela manhã, mas voltaremos como uns anjinhos. Vamos lá, Meg! – e Jo saiu, sentindo que as peregrinas não estavam se pondo em marcha como deveriam.

Sempre olhavam para trás antes de virar a esquina, pois a mãe sempre ficava à janela para acenar e sorrir para elas. De alguma forma parecia que não conseguiriam enfrentar o dia sem isso, pois, qualquer que fosse o humor das duas, essa última visão do rosto materno era como um raio de sol.

– Se mamãe sacudisse o punho fechado em vez de nos soprar um beijo, mereceríamos, pois nunca se viram umas atrevidas ingratas iguais a nós – exclamou Jo, extraindo uma satisfação arrependida da neve na estrada e do vento cortante.

– Não use essas expressões horríveis – respondeu Meg das profundezas do véu no qual se envolvera como uma freira cansada do mundo.

– Gosto de palavras boas, fortes, que tenham significado – retrucou Jo, agarrando o chapéu que se soltava da cabeça, prestes a voar para longe.

– Chame a si mesma pelos nomes que quiser, mas não sou nem peste nem atrevida, e não quero que me chamem assim.

– Você está uma verdadeira praga com seu mau humor de hoje, porque não pode se instalar no luxo o tempo todo.