Pobrezinha! Espere até eu enriquecer, e aí você vai se esbaldar com carruagens, sorvetes, sapatos de salto alto, buquês e rapazes ruivos para dançar.
– Como você é ridícula, Jo! – mas Meg riu daquele disparate e se sentiu melhor, mesmo contra a vontade.
– Sorte sua que sou; pois, se eu adotasse ares de sofredora e tentasse ficar toda desanimada, como você, estaríamos numa bela situação. Graças aos céus, sempre consigo encontrar algo engraçado que me anima. Pare de reclamar e volte para casa alegre, como uma boa moça.
Jo deu um tapinha animador no ombro da irmã ao se separarem para o dia de trabalho, cada qual seguindo por um lado, cada qual segurando sua tortinha quente, cada qual tentando se alegrar apesar do inverno rigoroso, da labuta e dos desejos insatisfeitos de uma juventude amante do prazer.
Quando o sr. March perdeu seus bens tentando ajudar um amigo desafortunado, as duas meninas mais velhas pediram para fazer algo para ajudar pelo menos no próprio sustento. Julgando que nunca é cedo demais para cultivar a energia, a industriosidade e a independência, os pais permitiram e ambas começaram a trabalhar com aquela boa vontade que, apesar dos obstáculos, ao final garante o sucesso. Margaret encontrou serviço como preceptora infantil e se sentia rica com seu pequeno salário. Como dizia, ela era “apaixonada pelo luxo” e seu grande problema era a pobreza. Achava difícil suportá-la, mais do que as irmãs, porque se lembrava do tempo em que tinham uma bela casa, a vida cheia de prazeres e comodidades, e nada faltava. Tentava não ser invejosa nem insatisfeita, mas era muito natural que a jovem quisesse coisas bonitas, amigos alegres, belas realizações e uma vida feliz. Na casa dos King ela via diariamente tudo o que queria, pois as irmãs mais velhas das crianças haviam acabado de debutar, e Meg frequentemente via de relance finos vestidos de baile e buquês, ouvia vivazes mexericos sobre teatros, concertos, passeios de trenó e as mais variadas diversões, via o dinheiro que seria tão precioso para ela gasto a rodo em ninharias. A pobre Meg raramente se queixava, mas às vezes a sensação de injustiça a fazia sentir amargura em relação a todos, pois ainda não aprendera como era rica nas únicas bênçãos capazes de trazer felicidade à vida.
Quanto a Jo, convinha bem à tia March, que era inválida e precisava de uma pessoa dinâmica para cuidar dela. Quando surgiram os problemas, a velha senhora, sem filhos, oferecera-se para adotar uma das meninas e ficou muito ofendida ao ter sua oferta recusada. Alguns amigos disseram aos March que haviam perdido qualquer chance de ser lembrados no testamento da rica senhora, mas os March, que não eram interesseiros, apenas disseram:
– Não abriríamos mão das meninas nem por mil heranças. Ricos ou pobres, ficaremos juntos e seremos felizes uns com os outros.
A velha senhora deixou de falar com eles por algum tempo, mas, encontrando Jo por acaso na casa de uma amiga, algo em seu rosto engraçado e seus modos bruscos agradou à velha senhora, que propôs tomá-la como acompanhante. Isso realmente não combinava com Jo, mas ela aceitou o serviço, visto que não surgira nada melhor e, para a surpresa de todos, deu-se muito bem com a parente irascível. Havia tempestades ocasionais, e uma vez Jo voltou para casa declarando que não aguentava mais, mas a tia March sempre se acalmava depressa e mandava chamá-la de volta com tal urgência que ela não podia recusar, pois no fundo gostava bastante da velha senhora espevitada.
Suspeito que o verdadeiro atrativo fosse uma grande biblioteca de excelentes livros que ficara entregue ao pó e às aranhas desde a morte do tio March. Jo se lembrava do gentil cavalheiro de idade, que costumava deixá-la construir pontes e ferrovias com seus grandes dicionários, contando-lhe histórias sobre as ilustrações esquisitas em seus livros de latim e comprando-lhe pãezinhos de mel sempre que a encontrava na rua. A sala escura e empoeirada, com os bustos olhando do alto das estantes, as poltronas aconchegantes, os globos terrestres e, melhor do que tudo, a infinidade de livros que podia percorrer como quisesse faziam da biblioteca um lugar paradisíaco para ela. No momento em que tia March cochilava ou estava atendendo alguma visita, Jo corria para esse local tranquilo e, enrodilhando-se na ampla poltrona, devorava poemas, romances, livros de história, de viagens e de pinturas feito um rato de biblioteca. Mas, como tudo o que é bom dura pouco, logo que chegava ao clímax da história, ao verso mais doce do poema, à aventura mais arriscada do viajante, uma voz estridente a chamava, “Josy-phine! Josy-phine!”, e ela tinha de deixar seu paraíso para enrolar meadas de lã, lavar o poodle ou ler os Ensaios de Belsham por horas a fio.
A ambição de Jo era fazer algo grandioso; o que seria, não tinha a menor ideia, mas deixou ao tempo a tarefa de lhe dizer; enquanto isso, sua maior aflição consistia em não poder ler, correr e andar a cavalo tanto quanto gostaria. O gênio esquentado, a língua afiada e o espírito irrequieto viviam a lhe criar apuros, e sua vida era uma série de altos e baixos, tanto cômicos quanto patéticos. Mas a formação que recebia na casa da tia March era exatamente do que precisava, e sentia-se feliz ao pensamento de que estava fazendo algo para se sustentar, apesar do constante “Josy-phine!”.
Beth era tímida demais para ir à escola. Haviam tentado, mas ela sofrera tanto que desistiram e tinha aulas em casa, com o pai. Mesmo quando ele foi para a guerra e a mãe foi chamada a dedicar sua energia e habilidade à Sociedade de Auxílio aos Soldados, Beth prosseguiu fielmente por conta própria e se empenhava ao máximo. Era uma pequena dona de casa e ajudava Hannah a manter a limpeza e o conforto da casa para as trabalhadoras, nunca pensando em qualquer recompensa além de ser amada. Longos e calmos dias passavam, não solitários nem ociosos, pois seu pequeno mundo era povoado de amigos imaginários, e era por natureza uma abelhinha trabalhadeira. Havia seis bonecas para cuidar e vestir todas as manhãs, pois Beth ainda era uma criança e amava-as como ninguém; não havia nenhuma inteira ou bonita entre elas; todas tinham sido refugos até serem acolhidas por Beth; pois, quando as irmãs passaram da idade para tais ídolos, deram-nas a ela porque Amy não aceitaria nada velho ou feio. Beth cuidava de todas com ainda maior carinho justamente por causa disso e montara um hospital para bonecas doentes. Nunca nenhum alfinete era espetado em seus órgãos vitais de algodão, nunca nenhuma palavra dura ou reprimenda lhes era dirigida, nunca nenhum descaso feria o coração da mais feia delas, mas todas eram alimentadas e vestidas, tratadas e acariciadas com um afeto que nunca diminuía. Um esquecido fragmento de bonequidade pertencera a Jo; tendo levado uma vida tempestuosa, fora largada como um farrapo no saco de retalhos, lúgubre asilo de onde foi resgatada por Beth e levada para seu refúgio.
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