Oh, dr. Mortimer, dr. Mortimer, pensar que o senhor não me chamou! Tem realmente que prestar contas por muita coisa.”

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“Tem realmente que prestar contas por muita coisa.”

[Sidney Paget, Strand Magazine, 1901]

“Eu não poderia chamá-lo, Mr. Holmes, sem revelar estes fatos para o mundo, e já dei minhas razões para não desejar fazê-lo. Além disso, além disso…”

“Por que hesita?”

“Há uma esfera em que o mais arguto e experiente dos detetives é impotente.”

“Está querendo dizer que a coisa é sobrenatural?”

“Não disse isso.”

“Não, mas é evidente que o pensa.”

“Desde a tragédia, Mr. Holmes, chegaram a meus ouvidos muitos incidentes difíceis de conciliar com a ordem estabelecida da natureza.”

“Por exemplo?”

“Descobri que antes do terrível evento várias pessoas tinham visto na charneca uma criatura que corresponde a esse demônio de Baskerville, e que não teria podido ser nenhum animal conhecido pela ciência. Todas elas concordam que é uma criatura enorme, luminosa, horrível e espectral. Interroguei esses homens, um deles um camponês perspicaz, outro um ferreiro e outro um fazendeiro da charneca, que contam todos a mesma história dessa medonha aparição, correspondendo exatamente ao monstro da lenda. Eu lhe asseguro que o distrito está sob o domínio do terror, e que só um homem intrépido ousaria atravessar a charneca à noite.”

“E o senhor, um instruído homem de ciência, acredita que isso é sobrenatural?”

“Não sei em que acreditar.”

Holmes deu de ombros. “Até agora limitei minhas investigações a este mundo”, disse. “De uma maneira modesta, combati o mal, mas enfrentar o próprio Pai do Mal seria, talvez, uma tarefa ambiciosa demais. No entanto o senhor deve admitir que a pegada é material.”

“O cão original era material o bastante para arrancar a garganta de um homem, e no entanto era também diabólico.”

“Vejo que o senhor se passou inteiramente para os sobrenaturalistas. Mas agora me explique, dr. Mortimer: se sustenta essas ideias, por que veio me consultar afinal de contas? No mesmo fôlego, o senhor me diz que é inútil investigar a morte de Sir Charles e que deseja que eu o faça.”

“Não disse que desejava que fizesse.”

“Mas então como posso ajudá-lo?”

“Aconselhando-me quanto ao que fazer com Sir Henry Baskerville, que vai chegar na Waterloo Station” — o dr. Mortimer consultou seu relógio — “exatamente daqui a uma hora e um quarto.”

“É o herdeiro?”

“Sim. Após a morte de Sir Charles, procuramos localizar esse jovem cavalheiro e descobrimos que era fazendeiro no Canadá. Pelas notícias que nos chegaram é um excelente sujeito em todos os aspectos. Falo agora não como médico, mas como fiduciário e executor do testamento de Sir Charles.”

“Não há nenhum outro demandante, presumo?”

“Nenhum. O único outro parente que conseguimos descobrir foi Rodger Baskerville, o mais novo dos três irmãos dos quais o pobre Sir Charles era o mais velho. O segundo irmão, que morreu jovem, é o pai desse jovem Henry. O terceiro, Rodger, era a ovelha negra da família. Pertencia à velha cepa arrogante dos Baskerville, e era a própria imagem, ao que me contam, do retrato de família do velho Hugo. Tornou sua vida na Inglaterra impossível para si, fugiu para a América Central e lá morreu em 1876 de febre amarela. Henry é o último dos Baskerville. Em uma hora e cinco minutos vou encontrá-lo na Waterloo Station. Recebi um telegrama dizendo que ele chegou a Southampton esta manhã. E agora, Mr. Holmes, que me aconselharia a fazer com ele?”

“Por que ele não deveria ir para o lar de seus ancestrais?”

“Parece natural, não é? No entanto, considere que cada Baskerville que vai para lá encontra um destino funesto. Tenho certeza de que, se Sir Charles tivesse podido falar comigo antes de sua morte, teria me recomendado não levar esse jovem, o último remanescente da velha raça, e o herdeiro de grande fortuna, para aquele lugar fatídico. No entanto, não se pode negar que a prosperidade de toda aquela pobre e árida região depende da presença dele.