De lá fui direto me encontrar com um amigo na América. Digo-lhes que tudo é tão novo para mim quanto para o dr. Watson e que estou mais do que ansioso para ver a charneca.”
“Está? Então seu desejo está sendo rapidamente atendido, pois lá está sua primeira visão da charneca”, disse o dr. Mortimer apontando pela janela do vagão.
Para além dos quadrados verdes dos campos e da curva rasa de uma mata, erguia-se a distância uma colina cinzenta, melancólica, com um estranho cume recortado, escura e difusa na distância, como uma paisagem fantástica num sonho. Baskerville passou muito tempo com os olhos pregados nela, e vi no seu semblante ansioso o quanto ela significava para ele, essa primeira visão daquele lugar estranho onde os homens de seu sangue haviam dominado por tanto tempo e deixado marca tão profunda. Ali estava ele, com seu terno de tweed e seu sotaque americano, no canto de um prosaico vagão de trem, e no entanto ao olhar para seu rosto moreno e expressivo eu mais que nunca sentia ser ele um verdadeiro descendente daquela longa linhagem de homens temperamentais, impetuosos e dominadores. Havia orgulho, coragem e força em suas sobrancelhas grossas, suas narinas sensíveis e seus grandes olhos cor de avelã. Se naquela charneca ameaçadora uma busca difícil e perigosa se estendia à nossa frente, esse era pelo menos um camarada por quem podíamos ousar nos arriscar com a certeza de que ele nos acompanharia com destemor.
O trem parou numa pequena estação de beira de estrada e nós todos descemos. Lá fora, além de uma cerca branca baixa, um trole puxado por uma robusta parelha de cavalos nos esperava. Nossa chegada era evidentemente um grande evento, pois o chefe da estação e os carregadores se aglomeraram à nossa volta para carregar nossa bagagem. Era um lugar simples e encantador no campo, mas fiquei surpreso ao observar que junto ao portão estavam plantados dois soldados com uniformes escuros, que se apoiavam sobre seus fuzis curtos e nos olharam intensamente quando passamos. O cocheiro, um sujeitinho rabugento de cara fechada, cumprimentou Sir Henry Baskerville e dentro de poucos minutos corríamos céleres pela larga estrada branca. Pastagens onduladas se elevavam dos dois lados de nós, e velhas casas com empenas espreitavam em meio à densa folhagem verde, mas por trás do campo pacífico e iluminado pelo sol erguia-se sempre, escura contra o céu vespertino, a curva longa e sombria da charneca, quebrada pelos morros recortados e sinistros.
O trole tomou uma estrada lateral, e fizemos uma curva ascendente através de sendas profundas gastas por séculos de rodas, ribanceiras altas dos dois lados, carregadas de musgos e avencas gotejantes. Samambaias cor de bronze e sarças mosqueadas lampejavam à luz do sol poente. Sempre subindo, passamos sobre uma estreita ponte de granito e margeamos um regato ruidoso que descia impetuosamente, espumando e rugindo entre os penedos. A estrada e o riacho serpenteavam ambos através de um vale denso de chaparreiros e abetos. A cada curva Baskerville soltava uma exclamação de deleite, olhando ansiosamente à sua volta e fazendo incontáveis perguntas. A seus olhos tudo parecia bonito, mas para mim um quê de melancolia envolvia o campo, que estampava tão claramente a marca do ano que findava. Folhas amarelas atapetavam os caminhos e tombavam esvoaçando sobre nós quando passávamos. O estrépito de nossas rodas esmorecia quando dirigíamos através de montes de vegetação apodrecida — tristes presentes, ao que me parecia, para a natureza lançar diante da carruagem do herdeiro dos Baskerville que retornava.
“Oh!” exclamou o dr. Mortimer. “O que é isso?”
Uma curva íngreme de terra coberta de urzes, uma projeção periférica da charneca, erguia-se à nossa frente. No alto, duro e nítido como uma estátua equestre em seu pedestal, estava postado um soldado, moreno e sério, o fuzil engatilhado sobre o antebraço. Vigiava a estrada pela qual viajávamos.
“O que é isso, Perkins?” perguntou o dr. Mortimer.
“Um prisioneiro fugiu de Princetown, senhor. Está solto há três dias, e os guardas da prisão vigiam cada estrada e cada estação, mas até agora não viram nem sinal dele. Os fazendeiros é que não estão gostando disso, senhor, essa é a verdade.”
“Bem, pelo que sei eles recebem cinco libras se puderem dar informação.”
“Sim, senhor, mas a chance de ganhar cinco libras é bem pequena comparada à de ter a garganta cortada. Sabe, não é um prisioneiro comum. Esse é um homem que não hesitaria diante de nada.”
“Mas quem é ele?”
“É Selden, o assassino de Notting Hill.”
Eu me lembrava bem do caso, pois Holmes mostrara grande interesse por ele em razão da peculiar ferocidade do crime e da brutalidade desenfreada que marcara todas as ações do assassino. A comutação de sua sentença de morte se devera a algumas dúvidas quanto à sua completa sanidade, tão atroz era a sua conduta.
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