Sir Henry e eu estendemos nossas mãos para ele, pois estávamos entorpecidos após a longa viagem de carro. Depois contemplamos à nossa volta a alta e estreita janela de vitral, os lambris de carvalho, as cabeças de cervo, o brasão sobre as paredes, tudo indistinto e sombrio à luz fraca da lâmpada central.
“É exatamente como imaginei”, disse Sir Henry. “Não é a própria imagem de um velho lar? Pensar que este é o mesmo solar em que meu povo viveu durante quinhentos anos! Sinto-me repentinamente solene ao pensar nisso!”
Vi seu rosto moreno iluminar-se com um entusiasmo infantil enquanto ele olhava em torno de si. A luz batia sobre onde ele estava, mas sombras compridas projetavam-se pelas paredes e pendiam como um dossel preto acima dele. Barrymore voltara, após levar as bagagens para nossos quartos. Postou-se diante de nós com as maneiras contidas de um criado bem-treinado. Era um homem de aparência extraordinária, alto, vistoso, com uma barba preta quadrada e um semblante pálido e distinto.
“Gostaria que o jantar fosse servido imediatamente, senhor?”
“Está pronto?”
“Dentro de alguns minutos, senhor. Encontrarão água quente em seus quartos. Minha esposa e eu ficaremos felizes, Sir Henry, em continuar com o senhor até que tenha tomado suas novas providências, mas o senhor compreenderá que nas novas circunstâncias esta casa exigirá uma criadagem considerável.”
“Que novas circunstâncias?”
“Quis dizer apenas, senhor, que Sir Charles levava uma vida muito reclusa, e éramos capazes de cuidar de suas necessidades. O senhor, naturalmente, deseja ter mais companhia, o que irá exigir mudanças em sua casa.”
“Está querendo dizer que você e sua mulher querem ir embora?”
“Somente quando for de sua inteira conveniência, senhor.”
“Mas a sua família não está conosco há várias gerações? Eu lamentaria iniciar minha vida aqui rompendo uma antiga ligação de família.”
Tive a impressão de discernir alguns sinais de emoção no rosto branco do mordomo.
“Eu também sinto isso, senhor, assim como minha mulher. Mas para lhe dizer a verdade, éramos ambos muito afeiçoados a Sir Charles, e sua morte nos causou um choque e tornou este ambiente muito penoso para nós. Temo que nunca voltemos a nos sentir tranquilos no Solar Baskerville.”
“Mas o que pretende fazer?”
“Não tenho dúvida, senhor, de que conseguiremos nos estabelecer em algum negócio. A generosidade de Sir Charles nos deu meios para isso. E agora, senhor, talvez seja melhor mostrar-lhes seus quartos.”
Uma escada dupla conduzia a uma galeria quadrada com balaustrada que rodeava o alto do velho salão. Desse ponto central estendiam-se por todo o comprimento da construção dois longos corredores para os quais se abriam todos os quartos. O meu ficava na mesma ala que o de Baskerville e quase ao lado dele. Esses quartos pareciam muito mais modernos que a parte central da casa, e o papel claro e as numerosas velas contribuíram para eliminar a impressão sombria que nossa chegada deixara em minha mente.
A sala de jantar, porém, que dava para o salão, era um lugar sombrio e triste. Era um recinto comprido com um degrau separando o estrado onde a família se sentava da parte inferior reservada para os seus dependentes. Era dominada, numa de suas extremidades, por um balcão para os músicos. Traves negras corriam sobre nossas cabeças, com um teto enegrecido pela fumaça acima delas. Com fileiras de archotes para iluminá-la, e a cor e a alegria rude de um banquete de outros tempos, a sala poderia ter se suavizado; mas agora, quando dois cavalheiros vestidos de preto sentavam-se no pequeno círculo de luz projetado por um abajur velado, nossa voz era silenciada e o espírito, reprimido. Uma indistinta linha de ancestrais, com os mais variados trajes, do cavaleiro elisabetano ao janota da Regência, contemplava-nos do alto e nos intimidava com sua companhia. Falamos pouco, e de minha parte fiquei contente quando a refeição terminou e pudemos nos retirar para a moderna sala de bilhar e fumar um cigarro.

“A sala de jantar, porém, era um lugar sombrio e triste.”
[Sidney Paget, Strand Magazine, 1901]
“Palavra, este não é um lugar muito alegre”, disse Sir Henry. “Suponho que podemos nos adaptar a ele, mas no momento sinto-me um pouco deslocado. Não espanta que meu tio tenha se tornado um tanto nervoso, se morava sozinho numa casa como esta. Contudo, se isso lhe convier, vamos nos recolher cedo esta noite, e talvez as coisas possam parecer mais alegres de manhã.”
Antes de me deitar, abri minhas cortinas e olhei pela minha janela. Ela dava para um espaço gramado que se estendia em frente à porta do solar. Do outro lado, dois arvoredos gemiam e se balançavam ao vento que começava a soprar. Uma meia-lua surgiu por entre as nuvens ligeiras. À sua luz fria, vi além das árvores uma orla quebrada de rochas e a curva longa e rasa da melancólica charneca.
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