Ele estava de calça e camisa, sem nada nos pés. Pude ver apenas sua silhueta, mas a altura me revelou tratar-se de Barrymore. Andava de maneira muito lenta e circunspecta, e havia algo de indescritivelmente culpado e dissimulado em toda a sua aparência.

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“Ele olhava fixamente a escuridão.”

[Sidney Paget, Strand Magazine, 1901]

Contei-lhe que o corredor é interrompido pelo balcão que contorna o salão, mas continua do outro lado. Esperei até que ele sumisse de vista, depois o segui. Quando cheguei ao balcão ele atingira a extremidade do outro corredor, e pude ver pela luz fraca através de uma porta aberta que entrara num dos quartos. Ora, como todos esses quartos estão sem móveis e desocupados, aquela expedição tornou-se mais misteriosa que nunca. A luz tinha um brilho estável, como se ele estivesse parado. Avancei furtivamente pelo corredor, tão silenciosamente quanto pude, e espiei pelo canto da porta.

Agachado junto à janela, Barrymore segurava a vela contra a vidraça. Eu podia entrever seu perfil, e seu rosto parecia rígido de expectativa enquanto ele olhava fixamente a escuridão da charneca. Por alguns minutos ficou olhando atentamente. Depois soltou um profundo gemido e, com um gesto impaciente, apagou a vela. No mesmo instante voltei para o meu quarto e logo depois ouvi mais uma vez os passos rápidos, em seu trajeto de volta. Muito tempo depois, quando eu tinha caído num sono leve, ouvi uma chave girando numa fechadura em algum lugar, mas não pude distinguir de onde vinha o som. Não consigo imaginar o que tudo isso significa, mas há alguma atividade secreta se desdobrando nesta casa soturna, a cujo cerne chegaremos mais cedo ou mais tarde. Não o perturbo com minhas teorias, pois você me pediu que lhe fornecesse apenas fatos. Tive uma longa conversa com Sir Henry esta manhã, e traçamos um plano de campanha baseado em minhas observações da noite passada. Não o exporei neste momento, mas ele deverá fazer de meu próximo relatório uma leitura interessante.

IX. SEGUNDO RELATÓRIO DO DR. WATSON

A luz na charneca

Solar Baskerville, 15 de outubro

Meu caro Holmes,

Se me vi obrigado a deixá-lo sem muitas notícias durante os primeiros dias de minha missão, você há de convir que estou compensando o tempo perdido, e que agora os eventos se acumulam em abundância diante de nós. Terminei meu último relatório em seu clímax, com Barrymore à janela, e agora já tenho um verdadeiro sortimento que, ou muito me engano, ou irá surpreendê-lo consideravelmente. As coisas tomaram um rumo que eu não poderia ter previsto. Sob certos aspectos elas se tornaram mais claras nas últimas quarenta e oito horas, e sob outros se tornaram mais complicadas. Mas vou lhe contar tudo, e você julgará por si mesmo.

Na manhã seguinte à minha aventura, antes do desjejum, fui até o fim do corredor e examinei o quarto em que Barrymore estivera na noite anterior. Percebi que a janela oeste, pela qual ele olhava tão atentamente, tem uma peculiaridade que a distingue de todas as outras janelas da casa — domina a vista mais próxima da charneca. Uma abertura entre duas árvores permite que uma pessoa, desse ponto de vista, a contemple diretamente, ao passo que de todas as outras janelas só se pode entrevê-la a distância. Segue-se portanto que Barrymore, já que somente essa janela serviria a seu propósito, devia estar à procura de alguma coisa ou de alguém na charneca. Como a noite estava muito escura, é difícil imaginar que esperasse ver alguém. Ocorreu-me que talvez uma intriga amorosa estivesse em andamento. Isso teria explicado seus movimentos furtivos e também a inquietação de sua mulher. Sendo o homem um sujeito de excelente aparência, muito bem-dotado para roubar o coração de uma moça do campo, esta teoria pareceu ter algum embasamento.