Sua paixão é o direito inglês e gastou uma grande fortuna em litígios. Briga pelo mero prazer de brigar, e está igualmente pronto a adotar qualquer lado de uma questão, de modo que não admira que essa lhe tenha parecido uma custosa diversão. Às vezes ele fecha uma servidão de passagem e desafia a paróquia a forçá-lo a abri-la. Outras vezes, destrói com as próprias mãos o portão de outro homem e declara que ali existia um caminho desde tempos imemoriais, desafiando o dono a processá-lo por violação de propriedade. É versado em antigos direitos senhoriais e comunais, e aplica seus conhecimentos por vezes em favor dos aldeões de Fernworthy, por vezes contra eles, de modo que é periodicamente ou carregado em triunfo pela rua da aldeia ou queimado em efígie, segundo sua última façanha. Dizem que tem cerca de sete ações judiciais em mãos neste momento, o que provavelmente engolirá o resto de sua fortuna, arrancando-lhe assim o ferrão e deixando-o inofensivo para o futuro. Afora o direito, ele parece uma pessoa bondosa e afável, e só o menciono porque você insistiu que eu devia mandar uma descrição das pessoas que nos cercam. Ele se dedica atualmente a uma atividade curiosa, pois, sendo astrônomo amador, possui um excelente telescópio, com o qual se instala no telhado de sua casa e varre a charneca o dia todo na esperança de ver de relance o prisioneiro fugitivo. Se limitasse suas energias a isso, tudo estaria bem, mas correm rumores de que pretende processar o dr. Mortimer por abrir uma sepultura sem o consentimento do parente mais próximo, porque desenterrou o crânio neolítico num túmulo em Long Down. Ele ajuda a impedir que nossas vidas se tornem monótonas e nos proporciona um pequeno e extremamente necessário lenitivo cômico.

E agora, depois de tê-lo informado sobre o prisioneiro fugitivo, os Stapleton, o dr. Mortimer e Frankland, do Solar Lafter, deixe-me terminar com o que é mais importante, e contar-lhe mais sobre os Barrymore, em especial sobre o surpreendente episódio de ontem à noite.

Em primeiro lugar, sobre o telegrama que você mandou de Londres como teste, para se certificar de que Barrymore estava realmente aqui. Já expliquei que o depoimento do agente do correio mostra que o teste foi inútil e que não temos nenhuma prova num ou noutro sentido. Eu disse a Sir Henry em que pé estavam as coisas e ele imediatamente, à sua maneira direta, mandou chamar Barrymore e lhe perguntou se havia recebido o telegrama pessoalmente. Barrymore disse que sim.

“O menino o entregou em suas próprias mãos?” perguntou Sir Henry.

Barrymore pareceu surpreso e pensou por um instante.

“Não”, respondeu. “Eu estava no quarto de guardados na hora e minha mulher o levou para mim.”

“Você mesmo o respondeu?”

“Não. Disse à minha mulher que o respondesse e ela desceu para redigir a resposta.”

À noite ele voltou ao assunto por iniciativa própria.

“Não entendi bem o objetivo de suas perguntas esta manhã, Sir Henry”, disse. “Quero crer que não signifiquem que fiz alguma coisa para perder sua confiança.”

Sir Henry teve de lhe garantir que não, e de tranquilizá-lo dando-lhe uma parte considerável de seu velho guarda-roupa, agora que todo o enxoval de Londres chegou.

Mrs. Barrymore me interessa. É uma pessoa pesadona, compacta, muito limitada, extremamente respeitável e propensa ao puritanismo. Seria difícil conceber alguém menos emotivo. No entanto, como lhe contei, na primeira noite aqui eu a ouvi soluçar amargamente, e desde então observei mais de uma vez vestígios de lágrimas em seu rosto. Alguma dor profunda está sempre atormentando o seu coração. Às vezes me pergunto se a lembrança de alguma culpa a persegue, e às vezes desconfio que Barrymore é um tirano doméstico. Sempre tive a impressão de que havia algo singular e questionável no caráter desse homem, mas a aventura da noite passada exacerba todas as minhas suspeitas.

Isso pode parecer, contudo, um assunto pouco importante em si mesmo. Você sabe que não tenho o sono muito pesado, e desde que estou de guarda nesta casa meus cochilos têm sido mais leves que nunca. Na noite passada, por volta das duas horas da manhã, fui despertado por passos furtivos diante do meu quarto. Levantei-me, abri minha porta e espreitei. Uma longa sombra preta avançava pelo corredor. Era projetada por um homem que o percorria devagar com uma vela na mão.