Agir como o espião de um amigo era uma tarefa odiosa. Apesar disso, não me ocorria alternativa melhor que observá-lo da colina, e depois limpar minha consciência confessando-lhe o que fizera. É verdade que se algum perigo súbito o ameaçasse eu estava longe demais para ser útil, mas você há de concordar que era uma situação muito difícil, não havendo mais nada que eu pudesse fazer.

Nosso amigo Sir Henry e a dama haviam parado na trilha, e estavam de pé, profundamente absorvidos em sua conversa, quando percebi de repente que não era a única testemunha de sua entrevista. Um farrapo verde flutuando no ar atraiu minha atenção e uma outra olhada revelou que ele estava preso a uma vara carregada por um homem que se movia pelo terreno acidentado. Era Stapleton com sua rede para borboletas. Estava muito mais perto do casal do que eu, e parecia mover-se em sua direção. Nesse instante, Sir Henry puxou subitamente Miss Stapleton para junto de si. Seu braço a envolveu, mas tive a impressão de que ela tentava se desvencilhar dele e desviava o rosto. Ele inclinou seu rosto sobre o dela e ela ergueu a mão, como se protestando. No momento seguinte vi-os se separarem de supetão e se virarem às pressas. Stapleton fora a causa da interrupção. Ele corria desabaladamente na direção deles, sua rede absurda balançando atrás de si. Gesticulou e quase dançou, tal o seu alvoroço, diante dos namorados. Não consegui imaginar o que significava aquela cena, mas tive a impressão de que Stapleton ofendia Sir Henry enquanto este oferecia explicações, as quais iam se tornando mais exaltadas à medida que o outro se recusava a aceitá-las. A dama permanecia ao lado num silêncio altivo. Finalmente Stapleton deu meia-volta e acenou de uma maneira peremptória para a irmã, que, depois de um olhar indeciso para Sir Henry, se afastou ao lado do irmão. Os gestos irritados do naturalista mostraram que também a dama o desagradara. O baronete ficou parado por um minuto, olhando para eles, e depois foi embora devagar pelo caminho pelo qual viera, a cabeça caída, a própria imagem da tristeza.

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“Sir Henry puxou subitamente Miss Stapleton para junto de si.”

[Sidney Paget, Strand Magazine, 1901]

Eu não conseguia imaginar o que tudo aquilo significava, mas estava profundamente envergonhado por ter testemunhado cena tão íntima sem o conhecimento do meu amigo. Assim, desci o morro correndo e me encontrei com o baronete ao seu pé. Ele tinha as faces coradas de raiva e as sobrancelhas enrugadas, como alguém que não tem a menor ideia do que fazer.

“Olá, Watson! De onde você caiu?” disse. “Não venha me dizer que veio atrás de mim apesar de tudo!”

Expliquei-lhe toda a situação: como me parecera impossível ficar para trás, como o seguira e como havia testemunhado tudo que ocorrera. Por um instante ele me fuzilou com os olhos, mas minha franqueza desarmou sua raiva e por fim ele acabou dando uma risada um tanto arrependida.

“Tudo levaria a crer que o meio dessa pradaria fosse um lugar bastante seguro para um homem gozar de intimidade”, disse ele, “mas, com os diabos, parece que a região inteira saiu para vir me ver fazendo a minha corte — e uma corte tão pífia! Onde você tinha reservado um lugar?”

“Eu estava naquele morro.”

“Na última fila, hã? Mas o irmão dela estava bem na frente. Você o viu surgir na nossa frente?”

“Sim, vi.”

“Alguma vez ele lhe deu a impressão de ser louco… esse irmão dela?”

“Não posso dizer que deu.”

“Certamente não. Eu sempre o julguei bastante são de espírito até hoje, mas ouça o que estou dizendo, ele ou eu devia estar numa camisa de força. Que há de errado comigo, afinal? Você vive perto de mim há algumas semanas, Watson. Agora diga-me honestamente! Alguma coisa me impediria de ser um bom marido para uma mulher que eu amasse?”

“Eu diria que não.”

“Como ele não pode ter objeções à minha posição social, deve ser de mim mesmo que sente rancor. Que tem contra mim? Nunca fiz mal a um homem ou mulher em minha vida, que eu saiba. No entanto ele não me permitiria sequer tocar as pontas dos dedos dela.”

“Ele disse isso?”

“Isso e muito mais. Vou lhe dizer, Watson, faz apenas poucas semanas que a conheço, mas desde o princípio senti realmente que ela foi feita para mim, e ela também… ela se sentia feliz quando estava comigo, isso eu posso jurar. Há uma luz nos olhos de uma mulher que fala mais alto que palavras.