Mas ele nunca permitiu que nos aproximássemos, e só hoje, pela primeira vez, vi uma oportunidade de trocar algumas palavras a sós com ela. Ela estava contente por me encontrar, mas, quando chegou, não era de amor que queria falar, e não teria me deixado falar também, se tivesse podido impedir. Ficou repetindo que este era um lugar perigoso, e que nunca se sentiria feliz até que eu partisse. Respondi que, tendo-a visto, não tinha nenhuma pressa de partir, e que se ela realmente quisesse que eu me fosse, a única maneira de conseguir isso seria se preparar para ir comigo. Com isto me ofereci com todas as palavras para me casar com ela, mas antes que ela pudesse responder apareceu aquele seu irmão, correndo para nós com cara de louco. Estava simplesmente branco de raiva e aqueles seus olhos claros chamejavam de fúria. O que estava eu fazendo com a senhorita? Como ousava dispensar-lhe atenções que lhe eram desagradáveis? Será que eu pensava que por ser um baronete podia fazer o que quisesse? Se ele não fosse irmão dela, eu teria tido uma resposta melhor para lhe dar. De qualquer forma, disse-lhe que meus sentimentos por sua irmã eram tais que não me envergonhava deles, e que esperava que ela pudesse me dar a honra de se tornar minha esposa. Como isso pareceu não melhorar em nada a situação, perdi as estribeiras também e lhe respondi de maneira mais acalorada que devia, talvez, considerando-se que ela estava ali ao lado. De modo que a coisa acabou com ele indo embora com ela, como você viu, e cá estou mais perplexo que qualquer homem nesta região. Diga-me o que significa tudo isso, Watson, e ficarei lhe devendo mais do que jamais poderei esperar lhe pagar.”
Tentei uma ou duas explicações, mas, na verdade, eu mesmo estava completamente atônito. O título de nosso amigo, sua fortuna, sua idade, seu caráter e sua aparência, tudo estava a seu favor, e eu não sabia de nada que o desabonasse, a menos que fosse aquele destino macabro que pesa sobre sua família. Que suas investidas devam ser rejeitadas tão bruscamente sem nenhuma consideração pelos anseios da própria dama, e que esta aceite a situação sem protesto, é assombroso. Nossas conjecturas, porém, foram aquietadas por uma visita do próprio Stapleton naquela mesma tarde. Ele viera pedir desculpas por sua grosseria da manhã, e depois de uma longa entrevista privada com Sir Henry em seu gabinete, o desentendimento foi inteiramente sanado e ficou combinado que deveríamos ir jantar na Casa Merripit na sexta-feira seguinte em sinal disso.
“Não digo agora que ele não é louco”, disse Sir Henry; “não posso esquecer a expressão de seus olhos quando correu para mim esta manhã, mas devo admitir que nenhum homem poderia se desculpar com mais elegância.”
“Deu alguma explicação para a sua conduta?”
“A irmã é tudo em sua vida, diz ele. Isso é bastante natural, e fico feliz por ele reconhecer o valor dela. Eles sempre estiveram juntos, e segundo seu relato ele tem sido um homem muito solitário, tendo apenas a ela como companheira, de modo que a ideia de perdê-la foi realmente terrível. Ele não havia compreendido, disse-me, que eu estava me afeiçoando a ela, mas quando viu com os próprios olhos que isso realmente estava acontecendo, e que ela poderia lhe ser tomada, isso lhe causou tamanho choque que por algum tempo ele não foi responsável pelo que dizia ou fazia. Sentia muito por tudo que se passara, e reconhecia como era tolo e egoísta que imaginasse poder manter uma mulher bonita como a irmã a seu lado a vida toda. Se ela tinha de deixá-lo, era melhor que fosse com um vizinho como eu que com qualquer outra pessoa. Mas, de todo modo, aquilo era um golpe para ele, e precisaria de algum tempo para ser capaz de enfrentá-lo. Ele retiraria toda a oposição de sua parte se eu lhe prometesse deixar o assunto de lado durante três meses e me contentasse, durante esse tempo, em cultivar a amizade da dama sem reivindicar seu amor. Prometi-lhe isso e o caso ficou nesse pé.”
Um de nossos pequenos mistérios está, portanto, elucidado. É alguma coisa ter tocado o fundo em alguma parte neste pântano em que nos debatemos. Sabemos agora por que Stapleton olhava com maus olhos o pretendente da irmã — mesmo sendo esse pretendente um homem tão aceitável como Sir Henry. Passo agora para um outro fio da meada que consegui deslindar, o mistério dos soluços à noite, da face manchada de lágrimas de Mrs. Barrymore, da incursão secreta do mordomo à janela de treliça oeste. Congratule-me, meu caro Holmes, e diga-me que não o desapontei como agente — que não se arrepende da confiança que depositou em mim quando me enviou para cá. Todas essas coisas foram esclarecidas com o trabalho de uma noite.
Eu disse “com o trabalho de uma noite”, mas, na verdade, foi com o trabalho de duas noites, pois na primeira não conseguimos absolutamente nada. Fiquei acordado com Sir Henry no quarto dele até perto das três horas da manhã, mas não ouvimos nenhum tipo de som, exceto o relógio de carrilhão junto à escada.
1 comment